quarta-feira, 30 de março de 2016

Abgar Renault


A Beleza da Vida na Alegria da Manhã

Eu corria sobre a areia, com os pés nus,
A areia faiscava.
Na claridade da manhã,
As árvores eram mais verdes e felizes
Eu corria sobre a areia, com os pés nus.

Penetrava-me as veias a beleza da vida.
O sol ria no alto.
Dentro e fora de mim
floriam ritmos desconhecidos.
Penetrava-me as veias a beleza da vida.

Era como se eu nascesse naquele dia.
A luz embriagava-me.
Tudo parecia novo,
e feito pelas mãos de um deus risonho:
Era como se eu nascesse naquele dia.



Abgar Renault.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Mário Cesariny: visto a esta luz



Visto a esta luz és um porto de mar
como reverberos de ondas onde havia mãos
rebocadores na brancura dos braços

Constroem-te um ponte
que deverá cingir-te os rins para sempre

O que há horrível no teu corpo diurno
é a sua avareza de palavras
és tu inutilmente iluminado e quente
como um resto saído de outras eras
que te fizeram carne e se foram embora
porque verdade sem erro   certo   verdadeiro
nada era noite bastante para tocarmos melhor
as nossas mãos de nautas navegando o espaço
os corpos um e dois do navio de espelhos
filhos e filhas do imponderável
de cabeça para   baixo a ver a terra girar

Quero-te sempre   como nã querer-te?
mas esta luz de sinopla nas calças!
este interposto objecto
e o seu leve peso de eternidade


                   Mário Cesariny

quarta-feira, 9 de março de 2016

Fernando Merlo


A sus venas


Estos cauces que ves amoratados
y de amarillo cieno revestidos
eran la flor azul de los sentidos
que hoy descubre  sus pétalos ajados

Besos verdes de aguja en todos lados
hieren la trabazón de los tejidos
y denuncian los brazos resentidos
la enigmática piel de los drogados

Las que llevaban vida y alimento
son tibias cobras de veneno breve
blanco caballo con la sien de nieve

Trotando corazón y pensamiento
que por las aguas de la sangre vierte
con rápido caudal la lenta muerte


Fernando Merlo.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Cruz e Sousa

Antífona

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras

Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas ...

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...

Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...

Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...


Cruz e Sousa.