domingo, 28 de fevereiro de 2016

Max Martins


No lugar do medo

Todos os dias aqui tu te observas
E ainda está oculta (aqui) a tua semente

Comum será a tua raiz
.....................comum
ao olor da fêmea que atua no teu leito

Sê criativo o dia todo
Te empenha o dia todo cauteloso
..........................voa
mesmo hesitante sobre o teu malogro

Quer sigas o fogo, quer sigas a água
sê só do fogo ou só da água
(pois que não há caminho
e a lei
é o inesperado)

Ainda oculta (aqui) a tua semente
.....................está

Max Martins, Partilhado a partir de  Modo de Usar

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Leopoldo María Panero


Y le digo al poema
vivirás eternamente
porque no eres un cuerpo
no eres un cerdo
al que la página niega
inmortal como un cuerno de caza en el desierto


Leopoldo María Panero. 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Machado de Assis


Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.


Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas.


Luiza Neto Jorge



O seu a seu tempo

  
Pouco tempo um objecto
pertence à sua matéria
se bem que cada vez menos o tempo
me preocupe
e a matéria seja uma hora
de os objectos estarem.

Que se misturem os fogos
que os descobridores descubram
o que sempre no exterior
existe por encontrar.
Que os utensílios criem
o novo utensílio capaz
de tudo dizer de si.

A maioria dos actos (concretos?)
atingiu a sua audácia
produziu-se um novo método
de estar noutra superfície.
Para esse vário objecto
para essa criatura vária
o líquido o livro tu
a corrente a rua a tua face
pelo seu acto de correr
pelo seu acto de ser lido
pelo seu acto de prender
de correr de ser corrido
pelo meu acto de inventar presos
no edifício que eu para vós
levantei

para vós oh para vós me volto
voz transposta a quanto de mim liberto
vós trabalhos mortais
voz da mais aberta entrada

volto a essa vária pessoa
que quereria deter a ti
te estendo uma corda
um mar um terreno livre
sem que com isso consiga
olhar-te por todos os lados
sem que com isso prossiga sendo
o teu órgão de amor.

Acho-me é o meu domínio
em perseguição automática
todo o eixo da gramática tendo à
disposição

as móveis vertigens diárias
os écrans de cinema os eixos
as pernas da máquina tuas pernas
mais concretas
as árvores postas em marcha
noutra genealogia (noutra velocidade)
vindo um ramo contínuo saído da sua raiz
à raiz da minha ideia

A ti te estendo uma corda
um mar uma cadeira
eléctrica
que aí repenses o crime, o próximo
solo, a dor.

Crime, ou o pássaro talvez
escondido na árvore
ambulante,
talvez uso imoderado que deres às tuas
armas ao teu luxo de estar vivo
à tua paz, de liberto

ou um encontro permanente sobre o
terreno livre.

Luiza Neto Jorge, O seu a seu tempo.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Renato Filipe Cardoso

coração de leão
.
.
ruína às primeiras sílabas da madrugada
saíste, leão do meu palácio
pelo ângulo morto da tempestade
.
o teu nome ficou comigo
no novelo esquerdo
e aprendi a tricotar agasalhos
para o cerco da estação mais próxima
.
a cidade já te ligou três vezes
coração quase sem bateria
pergunto que farás só neste verniz intermitente
onde até as aves plastificadas de entropia
se ajoelham ante o beijo
convictos de que nenhum outro voo
pode ser eternidade
___
Renato Filipe Cardoso, inédito, 2016.