terça-feira, 5 de novembro de 2013

John Donne: A Pulga

Observa esta pulga, e repara nisto –
Quão pouco é o que me recusas -:
A mim sugou primeiro e agora suga-te a ti,
E nesta pulga nossos dois sangues se misturam.
Confessa: de tal não pode dizer-se
Que é pecado, ou vergonha, ou desfloramento,
Portanto ela goza antes de cortejar,
Saciada, incha com um sangue feito de dois,
O que, enfim, é bem mais do que ousaríamos.

Oh, espera. Três vidas poupa numa pulga,
Onde nós quase – não, mais do que – casados estamos:
Esta pulga é tu e eu, e isto aqui
É o nosso leito, o nosso templo nupcial;
Embora os pais – e tu – protestem, estamos juntos
E enclausurados nessas vivas paredes negras.
Ainda que o uso te autorize a matar-me,
A tal não se acrescente o suicídio,
E o sacrilégio: três pecados ao matar nós três.

Cruel e precipitada, já de púrpura
Manchas a tua unha com o sangue da inocência?
De que poderia esta pulga ser culpada
Senão dessa gota que chupou de ti?
Mas tu triunfaste, e afirmas que te
Não encontras, nem a mim, mais fracos agora:
            É verdade. Então aprende como são falsos os medos:
            Esta mesma dose de honra, quando a mim te renderes,
            Perderás – igual à vida que a morte desta pulga te roubou.


 DONNE, John (1995), Poemas Eróticos, Lisboa Assírio & Alvim.

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