segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Mario Santiago Papasquiero



COITO PAUTADO

Caldeira de diabos elétricos / minha pele à caça de teus fornos
Entra a noite em minhas pulsações
a febre levanta pirâmides de agulhas capazes de aflorar montanhas em minha ressaca
Teu corpo é meu solaço : meu sótão negro / minha Rosa Mayor & meu pandeiro
o canil de céu & cadências que me tornam 1 bruto parvo açoitador de camas
& leito de Grijalvas sexo na selva
& nave florida & rinoceronte com arpão de prata
Na rua ou em quartinhos
Enterrado na areia ou em teus beijos
Astros de esperma : martelos vivos cuspo empurro lanço ao rosto
à rua ou lábio minguante em que gemes
Nem 1 dedo perderei / nem 1 mão de meus naipes

Teu sereno : teus terremotos são minha hóstia / são minha droga
o peixe de sangue que se derrama com sua dança em meus oceanos
Desde estas alvuras já não sei
se ferrei tua sela ou teus cascos
A cama / que herdaste de tuas tias ainda me tenta
A Maga de Oliveira & de Cortázar encontro embaixo do grifo gotejante de teus uivos brancos
Caldeira enfornada na lira de sátiros suados
Paisagem que em seu olho / elege os pincéis & o material em que há de banhar-se o Action Painting
Caldeira de diabos elétricos
tua pele contra minha pele faz milagres



O MILAGRE EXIGE

Que via imaginarei
para seguir flutuando
& atravessar a selva sempre crescente do grosseiro rio
El milagro exige
De meus ossos flor
& de minha mente frutos
Neste crepúsculo preciso
em que a nuca do sol
vai de focinho
O ouro sepulta à cinza
a praga ao mar
a magia a toda pressa





ROSTO QUEIMADO


Para Akira Kurosawa

Introduzi minha vida
na vulva radiante da estupefação
/ minha droga é respirar este ar quente /
Traduzir à lua na minha pele
: irmanar minhas feridas com sua seiva crescente :
À margem do fulgor do trem
Meu sonho é 1 trajeto coital derramado
/ Minha escritura: minha cama /
Minha mulher: a Paixão
Entre espinhos & flamas
Me desperta o milagre
de beber meu arrebol
pois do trevo se trata

Da veia maciça do ornitorrinco cantor
Do espelho pintado de sangue
Da dança arquejante
De viver no instante
/ O chaquira do morto é revendido pelo adeus /
A vila mais miserável é entrada do sol
Porque trago arco-íris
Porque cago relâmpagos
Quiçá voem meus olhos
Enlaçados no vento
A este cristal revivido / que rompe seu cárcere
: Aura gotejando calor :





FLASHES DE VIDA LASER

Me esvazio totalmente
No basculante das palavras
Beijo o véu da destruição
Arco-íris negro das têmporas
Estou & não estou
Ejaculando / como sempre / luz
O pó é também
Espírito & folhagem de meu corpo
A agulha fosca do viver
Rompe a cratera pueril de minhas ânsias
Supões apenas
Desenhas o ardor de tua silhueta
À hora suprema do fervor
Sublinhando a ponte em ponta de teu transe
A hipnose-caldo fervente
Que antecede o harakiri

São Suicida do Curral
Enteado que trafega dinamite
A explosão é tua mulher
Possui-a estalando
O revólver do sentir
É tua própria costela
Recife de arrabaldes
Arremétrica suada
Como nuvem de relâmpagos dementes
Incendiando a sujeira
Aninhada em teus sonhos de cristal




HOUDINI’S SONG


I

Vivo meu desaparecimento
À hora dos relógios brandos
Golpeado pelas contrações-sopro de larvas desta espécie-fim de festa
Aprisionado inclusive no pote de grilhões dos eus

II

O bosque de vidro corre até o rio
Multidões de videntes bebem merlo
Montanhas vermelhas carregam ao dia
Em pleno você / absorto em nos
vou-me / cavando
não ao inverso
não fazendo muuus

III

O já amado ainda unge luz
As pombas não merendam com o Cristo do perdão
Que mais dizer / fendida a vela
Fulge minha fuga
espelho : o céu
Me desatou
Rompo fronteiras
Não sou aposta
Odeio meu juiz



ENQUANTO BEBO DESTE MEU ODRE DE IMPULSOS OURIVES


Madrugada empinada / de pombas & pedras
os sufocos da lua entre surras alcoólicas
Cristalino aceso
lascívia de jumento
tua silhueta de incêndio selou minha vida
Sou carvão em tua saia
cachorro curtido no teu matadouro
Cai o silêncio
os vaga-lumes dançam
1 espelho de sangue me crava as veias
o porrete do sol ronca
o precipício do sonho cospe ondas de ecos
exagerando sua febre mortal
Madrugada : que ventos
nem você nem eu nascemos verossímeis
Somos vagabundos/ basculantes / aguaceiros lavrados

Olha agora : te beijo
Amanhã fujo
Que pisemos 1 cravo & 1 relâmpago uníssono
me ilumina / me banha
ilumina meu canto

A criação é /
& tanto / 1 estrangeirismo

o rumor que a Catástrofe
arrasta em seu saco de dormir
Nos tobogãs do lago
na fuga –sem alento–
da erva
trepando na fervente estrada
boca a boca
céu a céu
lado a lado
A Criação
que mãos não se auxilia
que luxúrias tortas
que anjos
com os arames retorcidos

Em Miguel Anjo & em Leonardo repousa
enquanto regressa a seus olhos a navalha
o pólen que diremos / de escalpelo
o basculante que a tudo trastorna
o ronco do sonho
a sodomia que não deixa de estar recém-nascida
Tudo o que a cratera mande
A criação –lavrada em neve–
em plumas de cisne / embaixo de barcas
& chicotes de vinho que voam



PRISIONEIRO DO SONHO

Para Óscar Málaga

Acendo a cratera do meu destino (aurora ardente)
minha mente se detém em 1 piso que borbulha
a voz do labirinto se desboca
/ de lâmina a lâmina /
sem conseguir beijar o nó de cristal que me aprisiona
Hoje é 1 pedra que não canta & 1onda que resvala
Se desbaratam os truques de meu alforje
minha sanguínea segurança de kamikaze digno
O amor me conduziu à carniça
A chuva está quebrando pedras no meu basculante
Entre minha unha & minha carne me evaporo
Aurora ardente sem ventura





CANETA DE ABUTRE INTENSIDADE

Esta flor interna chamada bebedouro
homúnculo arenoso
manto ébrio que insemina seus pelos de firmeza
no terreno baldio em que se morde o esqueleto
Veja sua língua de sirene
banhando a cintura resplandecente que torce o labirinto
Não é 1 talho de cristal o bico corvo de seu vento
Não há relógios sintonizados em seu latido-cool / florescimento de enxames /
As filhas desta filha já não se chamam filhas
giram suas fibras assadas na febre
Fora de sua casa a encontra vestida
brincando de injetar insumos a seu botão
Fogueira de 1 suor excepcional / que reúne em torno de si os absurdos mais insensatos

Albert Dhürer a intuiu sem prová-la
Os tempos áureos a fizeram perdida
Nos graneleiros da angústia brilhavam os pedaços de sua ferida
mas não todas suas canetas / que são de 1 prenhez violenta & contagiosa
semelhantes ao delírio de 1 águia obsessiva por descobrir seus ninhos pelo chiado
murmúrio de 1 ar pilotado pelas chamas do capricho
pétala que pia apenas contorna seus botões a cinza
: esta fogueira-mulher enforcada na densa mistura de apertadas chamas :



MARIO SANTIAGO PAPASQUIARO

Tradução de Beatriz Bajo, In Revista Osíris - Revista electrónica de literatura e arte. Ano I, edição I.

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