sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Imaterial Girl
A natureza fez os dançarinos no seu
círculo como fez o milho no seu círculo
Antonin
Artaud
I.
Magra
consolação a de haver linguagem
se
em tantos fundos ela não toca,
Há
ainda a pele, por baixo a velocidade
o
coração a bombear a música, a
ultrapassagem -
É
ela a nossa única matéria
Repara
como tudo o que é incompleto te chama
e
se te juntares a isso tudo, isso tudo não deixa de estar incompleto,
descansa
agora o olhar neste novelo, só te posso
dar o que não tenho
e
é tanto o que não tenho,
Aquece
a voz, deixa que tudo o que é bom se enrole em ti
A
bretã tem um trevo no bolso,
Não
aparece no desenho o que se tem nos bolsos
Quatro
folhas como a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
Alguns deles são respeitados acima do Equador
onde
Ronald Macdonald nos dá a comer o seu pão negro
também
ele precisa tanto do chão como uma semente
Um
pouco mais acima alguém fala da dignidade e diz: Não sei de que ângulo
os
vi partir, levavam antenas de prata nas mãos, os olhos muito abertos
Os
corpos pediam novas formas de beber:
A
primeira loba dorme, o leite vai-se formando nos seus seios…
II.
Sobre
a morte não sei mais do que uma borboleta
Também
ela cai ao fim de sete dias
ou
é apanhada num esguicho de urina de alguém que vai para Fátima
pára na berma da estrada nacional – faz
pontaria o assassino da natureza
A
filha mais nova ri-se, o sol lambe-lhe a cara, molda-lhe o sorriso
a
perfeição é perto disto, voltam ao carro:
levam
na mala uma lancheira, na lancheira vai a merenda
nos
assentos vai a família unida e quentinha e no meio delas a união
E
dentro delas a crença e dentro delas também a felicidade e todos os mistérios
mais
uma hora e o santuário e o suor e as velas reproduzindo a anatomia humana,
pernas e braços-velas a derreterem - à noite a Casa dos Segredos
O tempo que uma borboleta demora a cair
parece-se com a tua pele
Também
a queda tem cor, é um acordar,
Não
ter chegado ainda é a razão de ser dos caminhos
A
pele não é um limite, apenas um começo,
A
nuvem humaniza
O
céu-da-boca desloca-se para zonas mais austrais
A
bretã caminha porque a pintora o quis, desenha-lhe
um país, as suas gentes, os seus campos de
trigo, as fábricas,
as
igrejas, os sinos, a giz o fumo que sobe e se soma ao ar
Tudo
é soma na natureza humana.
III.
Só
as obsessões flutuam neste bar onde se bebem lágrimas de Orfeu
com
muito limão, é a Espera o barman que enche o copo
Mas
ele não tem fundo, lágrimas de Orfeu amargas
A
saudade sabe a Gin, vejo por esta janela a Bretã
Há um nervo nela que treme: nas fontes onde corre a
vida inteira
um fio de azeite desce pela montanha, contornando
as patas dos ouriços e dos javalis,
Antes de haver bicicletas e os caminhos que elas
percorrem
Já havia ladrões de bicicletas que roubavam à
linguagem
Novos caminhos
só se pode dar o que não se tem
e é muito o que não temos, passa a ser também nosso
quando damos
No bico de um corvo as cinzas de um ditador morto
serão uma árvore, será depois papel,
Fechar um ciclo faz também parte do ciclo
Sobre a perenidade não sei mais do que uma borboleta
também ela asfixiada num esguicho de urina de alguém
que
estaciona o carro na estrada nacional, vai para
Fátima, fica aflito
leva na mala uma lancheira, à noite dá a casa dos
segredos,
resta-me saber que também aqueço, é talvez esse o
milagre
Vêm-se de todos os ângulos os fotões ágeis
atravessar o corpo do mensageiro
é ele a mensagem toda:
preciso mais de chão do que uma semente,
debaixo da pele, líquido quente de um astro,
de todas as escalas – a
humana, a mais perigosa, a Maior
Há ainda a inclinação
natural dos girassóis a acompanhar o astro que foge,
Numa
auto-estrada para sul aproximamo-nos cada vez mais dos pólos
a
sombra de um ditador enrola a paisagem em mortalha de goma antiga
Cair
tem todas as cores, tudo é soma e Link perfeito
Também
o cimento é Deus.
Nuno Brito
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
António Pedro Ribeiro: Do Novo Mundo
DO NOVO MUNDO
Eu procuro o homem. Procuro-o nos bares, nas ruas, nas bibliotecas. A minha vida é uma demanda. Encontrei o homem em alguns, em algumas. Mas devo prosseguir a demanda. O homem, a mulher, deveria sentar-se neste preciso momento à minha mesa. Sem meias-medidas, sem preconceitos, sem vidinhas. Falar-me-ia do homem interior, das viagens interiores, do pensamento. Também dos sonhos, das alucinações. Sim, eu tenho algo a dizer ao mundo. É preciso que o homem interior me escute e às vezes escuta. Eu tenho a dizer ao mundo que o mundo assim não serve, não tem saída. Eu tenho a dizer que outro mundo existe: um mundo de criação, luz, sabedoria. Um mundo que também está aqui. Que brilha, que pede a palavra. É preciso agarrá-lo, trazê-lo até nós, vivê-lo. Um mundo que está na infância, na juventude, na idade do ouro perdida. Este não é o único mundo.
Tenho perseguido esse mundo ao longo da vida. Morrison, Miller, Nietzsche, Hesse, outros, mostraram-mo. É preciso atravessar para o outro lado. O reino está próximo. A verdadeira vida. Aqui num café de Vila Nova de Telha vivo a verdadeira vida. Agarro-a. Possuo-a. Como a mão, como os dedos, como a caneta correm livres. Como a intriga e a inveja estão distantes. Como sou o mago das minhas horas. Como é belo o momento. Como o celebro. Eis a verdadeira vida. Amo-a como à eternidade. Não há deuses e há os deuses todos. Como eles dançam. Como correm como loucos. Amo a vida. Amo o que o pensamento transmite à caneta. A escrita automática. Universos vivem em mim. Nas minhas letras. Estou possesso. Nunca houve tarde como esta. Sou o homem. Sou o homem que cria. Encontrei o reino perdido, o uno primordial. Venho do primeiro homem. Sou livre. Sou capaz de tudo. Pertenço à terra. Toda a filosofia brilha em mim. Vinhos mil. O ouro. Que é feito do rapaz tímido? Que é feito do menino das boas notas? Que fizeram dele a máquina e as horas? Onde está o rapaz tímido? Dá umas gargalhadas, dama pálida. Viu coisas, atravessou os mares. Está a voltar aos escritos dos 20 anos. Quilómetros de cérebro em busca do totem da tribo, em busca de ti. Quem és tu, hoje? Passeias-te entre reis, entre deuses, vês o nunca visto. Nada te liga ao que é pequeno. Ao escrever abres portas. Estás no mágico, no maravilhoso. O maravilhoso existe. Não é uma quimera. As portas estão abertas. Venham. Entrem. Vamos dar uma volta. Atravessar para o outro lado. Esqueçam tudo o que aprenderam. Esqueçam tudo o que foram. Esqueçam a máquina. Vamos até ao outro lado. Vamos ficar loucos. Esquece os relógios e os televisores. Dança. Dança, dama pálida. Deixa para trás todos os que te fizeram mal. Dança. Não mais sofrimento. Não mais angústia. Dança. Continua a dançar. Eles querem quebrar o encanto. Eles querem quebrar o encanto. Não deixes. Dança! Há um mundo novo a nascer. Não deixes que o matem. Um mundo novo. Dança, bebe em honra do novo mundo, dama pálida. Voltámos à idade do ouro, à infância feliz. Não há barreiras. Não há fronteiras. Estamos possessos pela música. Deixa-te ficar no outro lado. Deixa-te ficar. Vence os pequenos, os invejosos, os intriguistas. Como tudo é pequeno visto aqui de cima. Não os ouças mais. Sê livre. Sê louca. Dança. Estamos a construir o novo mundo. Nunca mais seremos os mesmos.
António Pedro Ribeiro
domingo, 25 de dezembro de 2011
Sara F. Costa
Upload
a força da paisagem corrompe o texto,
penetra-o pela sua fragilidade.
o jogo do tacto, da fulguração, da tensão cénica
do teu nome -
que de tão tenso não é revelável -
mas posso sempre revelar-te esta fotografia,
não como antigamente, mas
posso sempre entranhá-la no teu subconsciente através do feed
do teu mural
numa dessas redes sociais onde não há espaço a debate porque
cada pessoa é o ditador da sua própria realidade, o que até
é bastante conveniente
se na vida pudéssemos ser confrontados exclusivamente com aquilo
que não nos choca.
deixa-me rejubilar com a força de ver-te e com a força de saber que me vês,
sou assim uma imagem, sou matéria carnal, sou costas e ombros
e pálpebras,
existo porque existe a luz.
deixa-me fazer o upload desta existência directamente na memória
mais profunda
da tua libido.
talvez seja mais simples. o texto é coisa de poetas.
a força da paisagem corrompe o texto,
penetra-o pela sua fragilidade.
o jogo do tacto, da fulguração, da tensão cénica
do teu nome -
que de tão tenso não é revelável -
mas posso sempre revelar-te esta fotografia,
não como antigamente, mas
posso sempre entranhá-la no teu subconsciente através do feed
do teu mural
numa dessas redes sociais onde não há espaço a debate porque
cada pessoa é o ditador da sua própria realidade, o que até
é bastante conveniente
se na vida pudéssemos ser confrontados exclusivamente com aquilo
que não nos choca.
deixa-me rejubilar com a força de ver-te e com a força de saber que me vês,
sou assim uma imagem, sou matéria carnal, sou costas e ombros
e pálpebras,
existo porque existe a luz.
deixa-me fazer o upload desta existência directamente na memória
mais profunda
da tua libido.
talvez seja mais simples. o texto é coisa de poetas.
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