sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Adília Lopes: O presente


Vou-te dar um presente
eu gosto de presentes
é uma caixa de jóias
é tão bonita
dentro está um anel com uma pedra preciosa
porque é tão grande?
toma cuidado
dentro está um anel com uma pedra preciosa
mas talvez nunca o chegues a pôr no dedo
na caixa está uma serpente
para pegares no anel tens de abrir a caixa
se abrires a caixa a serpente pode picar-te o dedo
e tu podes morrer
se não abrires a caixa


Adília Lopes, Um jogo bastante perigoso (1985)

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Frank O’Hara: Why I am not a painter



I am not a painter, I am a poet.
Why? I think I would rather be
a painter, but I am not. Well,

for instance, Mike Goldberg
is starting a painting. I drop in.
"Sit down and have a drink" he
says. I drink; we drink. I look
up. "You have SARDINES in it."
"Yes, it needed something there."
"Oh." I go and the days go by
and I drop in again. The painting
is going on, and I go, and the days
go by.
I drop in. The painting is
finished. "Where's SARDINES?"
All that's left is just
letters, "It was too much," Mike says.

But me? One day I am thinking of
a color: orange. I write a line
about orange. Pretty soon it is a
whole page of words, not lines.
Then another page. There should be
so much more, not of orange, of
words, of how terrible orange is
and life. Days go by. It is even in
prose, I am a real poet. My poem
is finished and I haven't mentioned
orange yet. It's twelve poems, I call
it ORANGES. And one day in a gallery
I see Mike's painting, called SARDINES.


Frank O’Hara.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Edmond Jabès: Prefácio I



Digo: eu sou a morte, e ao mesmo tempo
existo antes de Deus.
Repelir a imagem de Deus de si
não será o mesmo que rejeitar a criação?
Onde estará a verdade a não ser
no espaço incendiado, entre a letra e a letra?

Assim o livro se lê, antes de tudo, fora das
das suas fronteiras.      


Edmond Jabès.