E depois?
Queria contar-lhe a história do burro que foi à lua. Mas queria contar rápido, em pouco tempo, seria por breves atalhos, o primeiro burro a chegar à lua. Chegaria num foguetão e depois adormeceríamos com o sorriso de uma missão comprida, com um ponto final a pautar mais um dia preenchido de altos e baixos. Mas as crianças não se deixam enganar, raramente gostam de finais felizes, que são mais uma fantasia de adultos. Na verdade as crianças não gostam de pontos finais e para que a história não acabe põe pontos de interrogação em tudo, pontos de interrogação de várias entoações e cores, para que a história não termine nunca, uma cegonha numa torre fica com um ponto de interrogação no cimo da sua cabeça, um telefone, uma estrela, um sapo, tudo encimado com a entoação perfeita de uma pergunta feita por uma criança; por isso talvez só elas saibam, com uma certeza interrogativa, que na verdade as verdadeiras histórias não têm fim. E todas elas cabem dentro de si, (aninhadas, ouriçadas e pequeninas), como um novelo feito de uma luz finíssima, uma luz de espuma e espanto e ouro, e que puxada devagar com os dedos por uma ponta nunca mais chegaria ao fim.
Para nos encher continuamente de surpresa as crianças sabem que aquilo que, no fim de cada história, parece um ponto final, é na verdade apenas um ponto de luz que vibra, uma semente recheada de futuro. E os pontos finais começam a falar baixinho; ao coração de cada criança do mundo cada ponto final diz: “Leva-me pela mão a casa da minha avó”, “quero comer marmelada”, “Conta-me mais sobre o lobo”, “Podemos ir pelo caminho mais longo?”. Cabe-nos então levar a história pela mão para onde ela quer que a levemos, ou que seja ela a levar-nos a nós, como pequenos irmãos de mãos dadas, as histórias abraçam-se e quando se tocam umas nas outras tornam-se infinitas, como uma grande nuvem de estorninhos ou uma grande história mãe, feita com a voz de todos nós e a voz dos que nos seguirão. Porque as histórias não têm fim, o meu coração enche-se de felicidade só de imaginar... O que aconteceria ao burro? E a cada ramo em curvas da sua história? Agora mesmo está no cimo de uma montanha ao lado de um moinho; e é bom ser um burro lado de um moinho em cima de uma montanha e ser um moinho com um burro ao lado mais a montanha que lhes serve de chão e ser isso tudo ao mesmo tempo é também o começo de uma história que está sempre no presente: como quando o molho das rabanadas se cristaliza em ponto de açúcar, assim se sentia o burro enquanto descia a montanha. Muito, muito feliz, como um burro pode ser. O burro mais feliz do mundo descia a montanha, muito devagar, porque há tempo de lá chegar. O caminho tem muitas curvas e devemos sujar-nos o caminho todo. Isso é também o coração da história: devemos sujar-nos porque o caminho é uma aprendizagem. E depois? ... A pergunta impõe uma nova respiração. Uma respiração segura ... ... ... E quando respiramos ouvimos. Devemos, quando contamos uma história, parar várias vezes: ouvir a nossa respiração e o coração de quem está à nossa frente. Ouvir o nosso coração a bater no coração de quem nos ouve, dizer: “Olá liberdade!” muito baixinho ao coração de cada ser que nos que está à nossa frente; só assim a história pode nascer, que é a única forma possível de ela continuar, e talvez sejam já dois burros a descer a montanha por um caminho de terra e cheio de curvas, e nunca chegar à lua é só o centro exato da história, porque as verdadeiras histórias estão sempre no meio e não têm passado nem futuro, nem começo nem fim nem pressa. As verdadeiras histórias estão sempre no presente. Por exemplo, agora, neste exato momento, os dois burros descem a montanha e a certa altura aparece um foguetão e a avó de um astronauta que gosta muito de marmelada. ... E depois? ... ...