sábado, 29 de outubro de 2011

Alexandre O’Neill

A Última árvore


“Recordo o senhor Leitão, amigo e defensor da Árvore, publicista que opuscularmente se produzia. O senhor Leitão postara-se ao lado da Árvore tal como alinhara com o Bem. Não há aqui pardal de troça. A candura do senhor Leitão, se a entendo agora, era aquele amor da natureza que o Romantismo exaltara, só que amor minorado e escuteiro, mais a procurar assinantes que a arrebanhar partidários. Todavia, não escasseava formosura, e até um certo arroubo, ao panegírico da Árvore que o plumitivo Leitão ia traçando, e eu estremecia de horror e de prazer ao dar-me conta, pela mão dele, que, além de frutos, além da sombra (amiga), além da madeira do berço, a Árvore me fornecia as tábuas para, na última viagem, eu aparelhar.
Quando o conheci pessoalmente (primeiro, aconselhara-me com ele por correspondência sobre a forma de organizar um herbário) tive a impressão de que aquele homem já havia sido árvore, e pensei que, tal como sucede entre o homem e o seu cão, Leitão incorporara à sua própria estrutura certos atributos arbóreos. Se assim era, devia existir algures, pela regra da interacção, uma árvore parecida com o homem Leitão. Afeiçoei-me tanto a essa ideia que, quando nos encontrávamos, lhe perguntava sempre:
- Então como vai, como está a sua Árvore?
Leitão sacudia os ramos e, a despassarar-se, ria.
Ora esta bondosa figura, que concentrava na Árvore o seu límpido amor pela natureza, meteu-se a caminho da morte, quando a soube certa e aprazada, de uma forma que, embora comum, nele podia dizer-se estranha.
Daniel Leitão desaparecera do seu «escritório» no Café Chiado. O tinteiro e a pena que o velho Pina lhe guardava, a mesa em que escrevia seus longos folhetins florestais (A Sombra das Boas Árvores) eram como desolados adereços à espera do protagonista.”

(Alexandre O´Neill, A Última Árvore: Uma Coisa em Forma de Assim, Editorial Presença, Lisboa, 1985).

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