sábado, 29 de outubro de 2011

Luís Quintais

XXVI

Entradas, saídas, fronteiras, lâminas sobrepostas
sobre o tecido denso da noite.

Um homem adormece, os céus deslocam-se
sobre o Atlântico, mais nocturnos que o sono

que lhe embaraça a reconhecida imagem
da sua mente comovida pela morte - «a minha morte»,

terá ele cantado por décadas -,
mais nocturnos que a casca das árvores

a lápis de cera negro pintada pelos impenitentes
desenhadores de árvores que são os filhos,

mais nocturnos que este líquido teatro
percorrendo as imagens, o irreversível tempo,

esse, onde, no interior veloz, se queimam as nossas vidas,
mais musicais que o preciso registo da vaga pauta

de onde a mente retira a palavra desde o início antigo.
Um pavão abre o azul da mente, espelha-a

e depois grita. Entradas e saídas, fronteiras,
lâminas de uma perfeição extrema e difícil expõe-se.

Um homem adormece. Os céus viajam.


Luís Quintais - Riscava a palavra dor no quadro negro. Lisboa, Cotovia, 2010.

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