quinta-feira, 8 de maio de 2014

Beatriz Hierro Lopes

rio adentro


Um dia direi que soube de gente, ínsuas injectadas rio adentro, transbordando peito afora como enchentes que lavam de cinza os meus olhos, os teus olhos, os deles ou mesmo destes que nunca souberam, vidro ardendo entre pulsos na vez da lanterna de deus, ao alargar o abraço à margem costeira em que fantasmas marcham entre fogueiras, madrugadas inteiras em que eu, tu, eles ou aqueles dormem. Antes que a primeira maré nos venha salgar pés, tornozelos, pernas ou beijos, somos destes, destes que temem cada corredor, cada passo vagaroso, cada barra de aço ou simples saco de soro: o movimento involuntário do corpo ao aspergir sal sobre rosto de mães, irmãs e irmãos, filhos e mulheres. Um dia direi que soube dessa gente, ínsua injectada rio adentro, e que é meu o sal – só meu – a salina mais perfeita de que outros se alimentaram.

Beatriz Hierro Lopes,

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