rio adentro
Um dia direi que
soube de gente, ínsuas injectadas rio adentro, transbordando peito afora como
enchentes que lavam de cinza os meus olhos, os teus olhos, os deles ou mesmo
destes que nunca souberam, vidro ardendo entre pulsos na vez da lanterna de
deus, ao alargar o abraço à margem costeira em que fantasmas marcham entre
fogueiras, madrugadas inteiras em que eu, tu, eles ou aqueles dormem. Antes que
a primeira maré nos venha salgar pés, tornozelos, pernas ou beijos, somos
destes, destes que temem cada corredor, cada passo vagaroso, cada barra de aço
ou simples saco de soro: o movimento involuntário do corpo ao aspergir sal
sobre rosto de mães, irmãs e irmãos, filhos e mulheres. Um dia direi que soube
dessa gente, ínsua injectada rio adentro, e que é meu o sal – só meu – a salina
mais perfeita de que outros se alimentaram.
Beatriz Hierro Lopes,
Retirado de Ao Longe todos são pedras
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