Sê paciente, pois o lobo
Sê paciente, pois o lobo está
sempre contigo.
Escuta, imbecil, o som do teu
desejo;
Não te deixes iludir, não é o mar,
O lobo é loucura, mas a lua é luz.
Deus virá de uma ignorância como a
tua,
Não como um boneco de caixa de
surpresas, mas como
Árvore feita pai choroso em
delírio,
As dores da noite têm todas o seu
trágico lugar,
Meio rosto de Deus procura a outra
metade.
E Ele achará o teu génio na
escuridão
E to restituirá sem fiador.
Sê paciente, pois o lobo está
sempre contigo,
Feio e mau e, contudo, divino.
Esquece o estrépito do mar,
O mar desdenhoso fazendo beiço todo
o dia,
Estridente como fábricas de vidro a
estilhaçar-se.
Passa ao largo do mar lustroso,
invindimável,
Pois quem lhe bebe mais fundo são
os afogados.
A neve negra amontoa-se sob o
relógio,
Onde o encontro falhado se junta a
tempo ao coração magoado.
Este é um mundo de mistérios sem
valor.
Sê paciente, pois muita, muita
coisa é paciente.
Sê paciente, pois o lobo é
paciente,
Aquele cuja sombra curta aqui
parou.
Os prados aguardam que os arco-íris
digam Deus,
As sombras aguardam que tu digas a
palavra,
Duas almofadas confiam no amor para
salvar o mundo.
Ao luar o mineiro vacila junto à
âncora suja.
O frete aguarda: o navio congela no
fiorde.
O anjo aguarda, o coração feito mão
dorida
Pronta a levar-te, longe de nós,
para o país do entardecer,
Onde ninguém é voraz, mas onde as
coisas se fazem,
E onde não há lobo, nem pensar em
dilúvio.
Sê paciente, porque o lobo é
paciente.
O pisco aguarda das trevas a
reparação,
A andorinha anseia pelo Outono para
dizer já,
E Eco por Hero, para não responder
não.
Só o sino que segue não espera,
Galopando o seu rosto de mãe pelos
campos fora,
Para te esfolar até ao osso com a
rudeza do repique.
No começo do Inferno, no meio
Da floresta, a imagem oscila entre
mãe e mar.
Não dês ouvidos ao sino nem ao mar
envelhecido,
Mas ao bom e querido lobo jura
fidelidade.
Sê paciente, por causa do lobo, sê
paciente:
Todas as dores e guinchos da noite
têm o seu lugar,
Acharás a tua toca de sangue quente
e enfim repousarás;
As sombras aguardam que digas a
palavra.
Escuta agora o teu próprio passo
macio e manhoso.
Sê paciente, por causa do lobo, sê
paciente -
O passo dele é já o teu, és livre
porque despojado.
Malcolm Lowry,
As cantinas e outros poemas do álcool e
do mar, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008.
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