À
Gisel
Na
entrada e na saída do metro, nas carruagens, rápidos, longos, os beijos que
vais dar na praia, na montanha, no carro, as mãos que vais dar, rápidos,
longos, o Sol que tantas vezes se vai ver a ele próprio nos teus olhos, os
beijos no elevador, no carro, na faculdade, que vais dar, as mãos rápidas, os
braços que te vão abraçar, os sinos passados, fotografias, as torres que vais
subir, os espelhos todos em que te vais ver, segura, extremamente segura,
linda, feia, obcecada, feliz, vazia, cheia, gorda, magra, dando-lhe as costas,
experimentando vestidos, feliz, sentindo que a vida é um mergulho, dando a
volta, que não há tempo, que há muito tempo, extremamente feliz, a euforia, o
tédio, o que vais ver e dar, os sonhos abandonados, os sonhos realizados, a salitre
depois do mergulho, o sol que vai ficar sempre dentro de ti e que tantas vezes
se vai ver ao espelho em ti — e dentro, a corrente de vida segura, a felicidade
extrema, a felicidade-mergulho ou a felicidade-estrela, as portas que vais
abrir, a vida com todas as suas pegadas, dias vazios, dias citrinos, dias de
chumbo, de calor ou de frio — mas dias de ganhar sempre e ganhar sempre contra
ninguém, vais sentir neve nos olhos, neve nos pés, abraços nos polos, abraços
no centro, um olhar para cima que te vai libertar, sentir-te protegida,
abraçada, ter recordações que te vão magoar, que te vão fazer mais forte, que
vais ter que esquecer, os beijos que vais dar — no metro, rápidos na subida do
autocarro, atrás, dentro, fora dos prédios, a chuva e o vento que te vai bater,
todas as cores que vais vestir, todas as formas que vais tocar, sentir,
modelar, guiar e ser guiada, pela estrela ou como estrela. Mas pensa, guarda e
mantém, em todos os momentos, que está sempre ao teu lado o Capitão Soninho, ao
lado de todos os beijos e de todas as páginas que vais virar, marcar, reler,
saltar rápido, comer — páginas, capítulos marcados, sublinhados, limpos,
abandonados, livros que vais esquecer numa paragem, num autocarro, ou que vais
querer incendiar, poemas que vais deixar em sítios a que não voltas — acidentes
voluntários ou involuntários, conquistas, perdas que não existem, ajustes — páginas
rápidas, demoradas, relidas, reescritas, apagadas, riscadas, escritas nas
margens, escritas no fundo, escritas por cima: sempre escritas por cima com o
privilégio de renovar, em várias cores e fundos. Em muitos espelhos te vais
sentir desejada, sozinha, cheia, desejada com mais força, um diadema verde, o
cabelo liso, puxado para trás, apanhado, comprido, curto, pintado, frisado nos
dias de verão e a mudança percetível e palpável na libido do planeta que sempre
gira sem que nos demos conta enquanto mudam ainda mais rápido as linhas da tua
mão, a cada nascimento e decisão — endireitar umas, fortalecer outras,
encaminhar, orientar — encaminhar com mais força a vitória, que se for
verdadeira, nunca aceitará que haja um único homem derrotado. E em todas elas
vais sentir o Capitão Soninho ao teu lado, a dar-te a segurança quando mais
precisares de segurança e a dar-te o sono quando quiseres dormir, a vigília
quando mais precisares dela. Calor, segurança e milagres quando deles
precisares. Sempre, o Capitão, com a estrela debaixo do braço, nos caminhos,
túneis, autoestradas, carris, funiculares, elétricos, desertos, decisões,
Caminho enfim: num único símbolo resumido; em todo ele, em todos eles, o
Capitão ao teu lado com a estrela debaixo do braço e nos seus olhos refletidos
os beijos que vais dar — enquanto o Sol se vê a si mesmo, em nova e maior
escala, como quem nada nos teus olhos, vindo em raios rápidos outra vez
enquanto dormes. Escrevo rápido contigo no colo.
Nuno Brito
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