Sem
um grito olhei a barata.
Vista
de perto, a barata é um objeto de grande luxo. Uma noiva de pretas jóias. É
toda rara, parece um único exemplar. Prendendo-a pelo meio do corpo com a porta
do armário, eu isolara o único exemplar. O que aparecia dela era apenas a
metade do corpo. O resto, o que não se via, podia ser enorme, e dividia-se por
milhares de casas, atrás de coisas e armários. Eu, porém, não queria a parte
que me coubera. Atrás da superfície de casas – aquelas jóias embaçadas andando
de rojo?
Eu
me sentia imunda como a Bíblia fala dos imundos. Por que foi que a bíblia se
ocupou tanto dos imundos, e fez uma lista dos animais imundos e proibidos? Por
que se, como os outros, também eles haviam sido criados? E por que o imundo era
proibido? Eu fizera o ato proibido de tocar no que é imundo.
Clarice Lispector. A Paixão segundo GH. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
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