para
o Vítor
Os
poemas podem ser desolados
como
uma carta devolvida,
por
abrir. E podem ser o contrário
disso.
A sua verdadeira consequência
raramente
nos é revelada. Quando,
a
meio de uma tarde indistinta, ou então
à
noite, depois dos trabalhos do dia,
a
poesia acomete o pensamento, nós
ficamos
de repente mais separados
das
coisas, mais sozinhos com as nossas
obsessões.
E não sabemos quem poderá
acolher-nos
nessa estranha, intranquila
condição.
Haverá quem nos diga, no fim
de
tudo: eu conheço-te e senti a tua falta?
Não
sabemos. Mas escrevemos, ainda
assim.
Regressamos a essa solidão
com
que esperamos merecer, imagine-se,
a
companhia de outra solidão. Escrevemos,
regressamos.
Não há outro caminho.
Rui
Pires Cabral, in Morada, ed. Assírio & Alvim.
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