domingo, 21 de outubro de 2018

Sophia de Mello Breyner Andresen: Igrina



          O grito da cigarra ergue a tarde a seu cimo e o perfume do orégão invade a felicidade. Perdi a minha memória da morte da lacuna da perca do desastre. A omnipotência do sol rege a minha vida enquanto me recomeço em cada coisa. Por isso trouxe comigo o lírio da pequena praia. Ali se erguia intacta a coluna do primeiro dia – e vi o mar reflectido no seu primeiro espelho. Igrina.
            É esse o tempo a que regresso no perfume do orégão, no grito da cigarra, na ominopotência do sol. Os meus passos escutam o chão enquanto a alegria do encontro me desaltera e sacia. O meu reino é meu como um vestido que me serve. E sobre a areia sobre a cal e sobre a pedra escrevo: nesta manhã eu recomeço o mundo.

Sophia de Mello Breyner Andreson. Geografia. Caminho, 2004.

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