quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

António Amaral Tavares: Movimento de terras

Levamos os cigarros à boca da medula
e é por ela que fumamos o ruído das nossas
vidas de cinza digo agora que também eu
recomecei a fumar.

E é falso dizeres
que esse silêncio que teces é o mesmo
dos teus dezanove anos parece-me a mim
que arranho o meu até à ferida.

Encostas o corpo à matemática do mundo
eu encosto o corpo ao nada que me assiste
e procuramos na noite qualquer coisa
que já nem nos pertence é provável

delapidações pedras mansas
esta forma tão doente de viver.

Ainda que sustemos a escuridão apenas
com cafés e ginger ale's e cigarros
que se apagam de um minuto para o outro
tão barato e mau é o tabaco

e ainda que acabemos por desistir
do último cigarro que nunca fumaremos
esse que nos traria a explicação da noite
da luz das palavras do silêncio do ardor do desejo
com a certeza  de que o dia seguinte começará
muito próximo do fim.




António Amaral Tavares. Movimento de terras. Lisboa: Língua Morta, 2016.

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