segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

António Manuel Couto Viana. No Sossego da Hora



Vou espalhar alegria
Pelas ruas!
(Sempre este pasmo ou esta nostalgia
Nas faces imprecisas, lisas, cruas.

Bocejos largos, fundos, nos passeios;
Fúteis conversas calmas nos cafés;
Nem desesperos, nem anseios
- Corpos sepultos a milhares de pés.

Gestos lodosos, lentos, limitados:
«Custa tanto estender a mão, amigos!»
E todos os olhares estão parados
Aquém da negra estreita dos postigos.)

Vou pois, soltar no ar,
Como um balão de cor,
Esta vida que tenho para dar,
No modo simples de quem dá uma flor.

(Não há futuro que não seja hoje
Se vou a perguntar quem me responde?
Uma criança canta e o medo foge
- Jogam as sombras ao esconde-esconde.)

Olha o balão subindo!
Menino, olha o brinquedo que te dou:
Não é feio nem lindo
- É tal qual o que sou.

Leva-o pra casa preso por um fio
(Dói a excessiva fuga no espaço):
Vem encher de promessa este vazio!
Vem encher de sentido este cansaço!



António Manuel Couto Viana. 60 Anos de Poesia. Lisboa: INCM, 2004.

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