De minha varanda
vejo, entre árvores e telhados, o mar. Não há ninguém na praia, que resplende
ao sol. O vento é nordeste, e vai tangendo, aqui e ali, no belo azul das águas,
pequenas espumas que marcham alguns segundos e morrem, como bichos alegres e
humildes; perto da terra a onda é verde.
Mas percebo um
movimento em um ponto do mar; é um homem andando. Ele nada a uma certa
distancia da praia, em braçadas pausadas e fortes; nada a favor das águas e do
vento, e as pequenas espumas que nascem e somem parecem ir mais depressa do que
ele. Justo: espumas são leves, não são feitas de nada, toda sua substância é
água e vento e luz, e o homem tem sua carne, seus ossos, seu coração, todo seu
corpo a transportar na água.
Ele usa os
músculos com uma calma energia; avança. Certamente não suspeita que um
desconhecido o vê e o admira porque ele está nadando em uma praia deserta, Não
sei de onde vem essa admiração, mas encontro nesse homem uma nobreza calma,
sinto-me solidário com ele, acompanho o seu esforço solitário como se ele
estivesse cumprindo uma bela missão. Já nadou em minha presença uns trezentos
metros; antes, não sei, duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás
das árvores, mas esperei com toda confiança que reaparecesse sua cabeça, e o
movimento alternado de seus braços. Mais uns cinqüenta metros, e o perderei de
vista, pois um telhado o esconderá. Que ele nade bem esses cinqüenta ou
sessenta metros, isto me parece importante, é preciso que conserve a mesma
batida de sua braçada, que eu o veja desaparecer assim como o vi aparecer, no
mesmo rumo, no mesmo ritmo, forte, lento, sereno. Será perfeito; a imagem desse
homem me faz bem.
É apenas a
imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem sua cor, nem os
traços de sua cara. Estou solitário com ele, e espero que ele esteja comigo.
Que ele atinja o telhado vermelho, e então eu poderei sair da varanda
tranqüilo, pensando – ” vi um homem sozinho, nadando no mar; quando o vi ele já
estava nadando; acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que
Le nadou sempre com firmeza e correção; esperei que ele atingisse um telhado
vermelho, e ele atingiu”.
Agora não sou
mais responsável por ele; cumpri o meu dever, e ele cumpriu o seu. Admiro-o.
Não consigo saber em que reside, para mim, a grandeza de sua tarefa; ele não
estava fazendo nenhum gesto a favor de alguém, nem construindo algo útil; mas
certamente fazia uma coisa bela, e a fazia de um modo puro e viril.
Não desço para
ir esperá-lo na praia e lhe apertar mão; mas dou meu silencioso apoio, minha
atenção e minha estima a esse desconhecido, a esse nobre animal, a esse homem,
a esse correto irmão.
Rubem Braga, in Elenco dos Cronistas Modernos.
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