segunda-feira, 30 de maio de 2016

O Desenhador de Sóis: O meu coração

O Desenhador de Sóis: O meu coração

O meu coração é um boi que atravessa este campo quente com seus olhos húmidos
mais as moscas que o picam de cada lado das orelhas,
é uma aguarela de criança com os seus traços seguros
Que deixou pequenos restos de areia, terra e alguns pelos de pincel
no centro do sol - O meu coração é uma memória do sol em cada célula,
 uma vontade de rir, Tão quente e tão quente - de tudo e de tudo…


O meu coração é um campo de girassóis,
Um pintor de olhos grandes que desenha caminhos a lápis de cor,
as fontes, o feno, o guarda-rios mais a sua família feliz
e um grande sol central no meio da cartolina,
por ele bebo a jorros, com os olhos todos:
Com a vida inteira.

O meu coração é uma criança que tira catotas do nariz
E tem no bolso o lenço mais sujo e mais seco que o avô lhe deu
O meu coração é só meu coração e não tem iniciais nem nome nem roupa,
E bombeia a música para todo o lado como qualquer coração feliz
E dança e brinca e agora mesmo ele é uma enchente de nós todos.
O meu coração é das cores mais quentes, das cores do fogo,
Nele se beijam as memórias mais doces e os faroleiros descansam
Depois de dar luz a tantos barcos na noite mais longa do ano.

Olha então de frente a nascente disto tudo e enche-se de luz,
sou então um animal feliz e abro muitos livros;
deixo tudo sublinhado: as casas, as ruas, as paisagens
os policias, os cães policias, o que as pessoas dizem e contam,
os segredos e os que os guardam,
O meu coração deixa a vida toda sublinhada a marcador fluorescente,
E escreve em todas as margens, e apaga e reescreve e completa e une,
e deita-se ao fim da noite para descansar, completo e cheio como um pôr do sol,
saciado e feliz como um vento quente que faz tremer as folhas lá em cima
e nasce e nasce e nasce ainda a cada instante.


Nuno Brito



domingo, 29 de maio de 2016

D. H. Lawrence

A poesia, dizem, é uma questão de palavras. E é verdade, tanto quanto a pintura é uma questão de tinta e o afresco, uma questão de água e ocra. Mas isso está tão longe de ser toda a verdade que soa um tanto simplista quando dito secamente.
A poesia é uma questão de palavras. A poesia consiste em combinar palavras para fazê-las ondular e vibrar e colorir. A poesia é um jogo de imagens. A poesia é a iridescente sugestão de um idéia. A poesia é todas essas coisas e, contudo, é algo mais. […]
A qualidade essencial da poesia consiste em que ela exige um esforço renovado da atenção, e que “descobre” um mundo novo no interior do mundo conhecido. O homem, e os animais, e as flores, vivem todos dentro de um caos estranho e permanentemente revolto. Chamamos cosmo ao caos ao qual nos acostumamos. Chamamos consciência – e mente, e também civilização –  ao indizível caos interior de que somos compostos. Mas trata-se, em última instância, do caos, iluminado por visões, ou não iluminado por visões. Exatamente como o arco-íris pode ou não iluminar a tempestade. E, tal como o arco-íris, a visão perece.
Mas o homem não pode viver no caos. Os animais podem. Para o animal tudo é caos, havendo apenas algumas poucas e recorrentes agitações e aparências em meio ao tumulto. E o animal fica feliz. Mas o homem não. O homem deve envolver-se em uma visão e construir uma casa que tenha uma forma evidente e que seja estável e fixa. No pavor que tem do caos, começa por levantar um guarda-chuva entre ele e o permanente redemoinho. Então, pinta o interior do guarda-chuva como um firmamento. Depois, anda à volta, vive, e morre sob seu guarda-chuva. Deixado em herança a seus descendentes, o guarda-chuva transforma-se em uma cúpula, uma abóbada, e os homens começam a sentir que algo está errado.
O homem ergue, entre ele e o selvagem caos, algum maravilhoso edifício de sua própria criação, e gradualmente torna-se pálido e rígido embaixo de seu pára-sol. Então ele se torna um poeta, um inimigo da convenção, e faz um furo no guarda-chuva; e oba!, o vislumbre do caos é uma visão, uma janela para o sol. Mas depois de um certo tempo, tendo se acostumado à visão, e não lhe agradando a genuína golfada de ar do caos, o homem do lugar-comum rascunha um simulacro da janela que se abre para o caos, e remenda o guarda-chuva com o remendo pintado do simulacro. Isto é, ele se acostumou à visão; ela faz parte da decoração de sua casa. De maneira que o guarda-chuva finalmente parece um amplo e brilhante firmamento, de vistas variadas. Mas, que pena!, é tudo simulacro, feito de inumeráveis remendos. Homero e Keats, cheios de anotações e acompanhados de um glossário.
Esta é a história da poesia em nosso tempo. Alguém vê Titãs no ar selvagem do caos, e o Titã torna-se uma parede entre as sucessivas gerações e o caos que elas deveriam ter herdado. O céu selvagem pôs-se em movimento e cantou. Até isso torna-se um grande guarda-chuva entre a humanidade e o céu de ar fresco; ele tornou-se, então, uma abóbada pintada, um afresco num teto abobadado, sob o qual os homens empalidecem e se tornam infelizes. Até que um outro poeta faça um buraco no amplo e tempestuoso caos.

D.H. Lawrence – in Selected Critical Writings, p. 234

Partilhado a partir de Olho de Corvo

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Carlos de Oliveira

Águia

As águias não deviam ser aves
mas corações aduncos e com asas:

se olhares à flor dos campos e das casas
sentes o peito maior do que a amplidão:

se alguma coisa nasceu para voar
foi o teu coração.



Carlos de Oliveira. Trabalho Poético. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Walt Whitman

Carpe Diem

Do not let the day end without having grown a bit, without being happy,without having risen your dreams.
Do not let overcome by disappointment.
Do not let anyone you remove the right to express yourself,
which is almost a duty.
Do not forsake the yearning to make your life something special.
Be sure to believe that words and poetry it can change the world.
Whatever happens, our essence is intact.
We are beings full of passion. Life is desert and oasis.
We breakdowns, hurts us, teaches us, makes us protagonists of our own history.
Although the wind blow against the powerful work continues:
You can make a stanza. Never stop dreaming, because in a dream, man is free.
Do not fall into the worst mistakes: the silence.
Most live in a dreadful silence. Do not resign escape.
Rate the beauty of the simple things.
You can make beautiful poetry on little things, but we can not row against ourselves. That transforms life into hell.
Enjoy the panic that leads you have life ahead. Live intensely, without mediocrity.
Think that you are the future and facing the task with pride and without fear.
Learn from those who can teach you.
Do not let life pass you live without that.

Walt Whitman. 

Walt Whitman

O Me! O Life! 

Oh me! Oh life! of the questions of these recurring,
Of the endless trains of the faithless, of cities fill’d with the foolish,
Of myself forever reproaching myself, (for who more foolish than I, and who more faithless?)
Of eyes that vainly crave the light, of the objects mean, of the struggle ever renew’d,
Of the poor results of all, of the plodding and sordid crowds I see around me,
Of the empty and useless years of the rest, with the rest me intertwined,
The question, O me! so sad, recurring—What good amid these, O me, O life?

                                       Answer.
That you are here—that life exists and identity,
That the powerful play goes on, and you may contribute a verse.



quinta-feira, 19 de maio de 2016

Manuel Bandeira: Voz de fora


Como da copa verde uma folha caída
Treme e deriva à flor do arroio fugidio,
Deixa-te assim também derivar pela vida,
Que é como um largo, ondeante e misterioso rio...

Até que te surpreenda a carne dolorida
Aquela sensação final de eterno frio,
Abre-te à luz do sol que à alegria convida,
E enche de canções, ó coração vazio!

A asa do vento esflora as camélias e as rosas.
Toda a paisagem canta. E das moitas cheirosas
O aroma dos mirtais sobe nos céus escampos.

Vai beber o pleno ar... E enquanto lá repousas,
Esquece as mágoas vãs na poesia dos campos
E deixa transfundir-te, alma, na alma das cousas.

Manuel Bandeira, 1906.

(A Cinza das horas).

domingo, 8 de maio de 2016

Carlos Drummond de Andrade

UM BOI VÊ OS HOMENS

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm
e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes
não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,
até sinistros. Coitados, dir-se-ia que não escutam
nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço.E ficam tristes
e no rasto da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos – e perde-se
a um simples baixar de cílios, a uma sombra.
Nada nos pêlos, nos extremos de inconcebível fragilidade,
e como neles há pouca montanha,
e que secura e que reentrâncias e que
impossibilidade de se organizarem em formas calmas,
permanentes e necessárias. Têm, talvez,
certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido
vazio interior que os torna tão pobres e carecidos
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 7 de maio de 2016

Emily Dickinson: I dwell in Possibility


I dwell in Possibility – 
A fairer House than Prose – 
More numerous of Windows – 
Superior – for Doors – 

Of Chambers as the Cedars – 
Impregnable of eye – 
And for an everlasting Roof 
The Gambrels of the Sky – 

Of Visitors – the fairest – 
For Occupation – This – 
The spreading wide my narrow Hands 
To gather Paradise –


Emily Dickinson