A poesia, dizem,
é uma questão de palavras. E é verdade, tanto quanto a pintura é uma questão de
tinta e o afresco, uma questão de água e ocra. Mas isso está tão longe de ser
toda a verdade que soa um tanto simplista quando dito secamente.
A poesia é uma
questão de palavras. A poesia consiste em combinar palavras para fazê-las
ondular e vibrar e colorir. A poesia é um jogo de imagens. A poesia é a
iridescente sugestão de um idéia. A poesia é todas essas coisas e, contudo, é
algo mais. […]
A qualidade
essencial da poesia consiste em que ela exige um esforço renovado da atenção, e
que “descobre” um mundo novo no interior do mundo conhecido. O homem, e os
animais, e as flores, vivem todos dentro de um caos estranho e permanentemente
revolto. Chamamos cosmo ao caos ao qual nos acostumamos. Chamamos consciência –
e mente, e também civilização – ao indizível caos interior de que somos
compostos. Mas trata-se, em última instância, do caos, iluminado por visões, ou
não iluminado por visões. Exatamente como o arco-íris pode ou não iluminar a
tempestade. E, tal como o arco-íris, a visão perece.
Mas o homem não
pode viver no caos. Os animais podem. Para o animal tudo é caos, havendo apenas
algumas poucas e recorrentes agitações e aparências em meio ao tumulto. E o
animal fica feliz. Mas o homem não. O homem deve envolver-se em uma visão e
construir uma casa que tenha uma forma evidente e que seja estável e fixa. No
pavor que tem do caos, começa por levantar um guarda-chuva entre ele e o
permanente redemoinho. Então, pinta o interior do guarda-chuva como um
firmamento. Depois, anda à volta, vive, e morre sob seu guarda-chuva. Deixado
em herança a seus descendentes, o guarda-chuva transforma-se em uma cúpula, uma
abóbada, e os homens começam a sentir que algo está errado.
O homem ergue,
entre ele e o selvagem caos, algum maravilhoso edifício de sua própria criação,
e gradualmente torna-se pálido e rígido embaixo de seu pára-sol. Então ele se
torna um poeta, um inimigo da convenção, e faz um furo no guarda-chuva; e oba!,
o vislumbre do caos é uma visão, uma janela para o sol. Mas depois de um certo
tempo, tendo se acostumado à visão, e não lhe agradando a genuína golfada de ar
do caos, o homem do lugar-comum rascunha um simulacro da janela que se abre
para o caos, e remenda o guarda-chuva com o remendo pintado do simulacro. Isto
é, ele se acostumou à visão; ela faz parte da decoração de sua casa. De maneira
que o guarda-chuva finalmente parece um amplo e brilhante firmamento, de vistas
variadas. Mas, que pena!, é tudo simulacro, feito de inumeráveis remendos.
Homero e Keats, cheios de anotações e acompanhados de um glossário.
Esta é a
história da poesia em nosso tempo. Alguém vê Titãs no ar selvagem do caos, e o
Titã torna-se uma parede entre as sucessivas gerações e o caos que elas
deveriam ter herdado. O céu selvagem pôs-se em movimento e cantou. Até isso
torna-se um grande guarda-chuva entre a humanidade e o céu de ar fresco; ele
tornou-se, então, uma abóbada pintada, um afresco num teto abobadado, sob o
qual os homens empalidecem e se tornam infelizes. Até que um outro poeta faça
um buraco no amplo e tempestuoso caos.
D.H. Lawrence – in Selected
Critical Writings, p. 234
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