O poema ensina o
seu coração, o seu batimento, ele é muitas cidades a arderem em desejo; há no
centro do poema um sol que irradia para todos os lados, uma afirmação de vida,
uma múltipla fonte de luz. As palavras são centros de vibração, elas tocam-se,
expandem-se em ondas, elas são estrelas em pleno nascimento, em nascimento
continuo, cada olhar sobre elas as faz renascer. O poema é uma constelação que
faz acender a linguagem, que a faz viver; A constelação que é o poema faz nascer
a palavra a cada segundo, a cada batimento do coração a palavra é nova, ela tem
novo sopro, ela é uma nova afirmação de vida, uma nova fonte, uma nova onda
expansiva, a cada batimento do coração do poema surge um novo acendimento,
(muitas cidades a arderem em desejo), a estação de serviço em mercúrio, o olhar
da minha filha. Cada novo olhar sobre o poema cria um novo
nascimento, uma aceleração diferente: eu acelero o poema quando o olho, eu o
faço nascer. O poema é um animal invencível, ele é a vitória da linguagem.
Quando eu afirmo:
O poema ensina o
seu coração
e o seu coração
é um céu azul.
Eu digo que esse
coração é um núcleo que acende tudo o que o rodeia; o poema não pergunta o que
é o fogo, ele afirma, ele cria uma comunidade, ele une, ele não para nunca de
unir. As constelações comunicam, acendem-se, dançam, cruzam os seus fogos, a
sua dança pode ser perfeita e - por essa mesma possibilidade - ela é já
perfeita. O animal invencível é a possibilidade mesma da vida, a afirmação mesma
da vida. Se o poema nasce em frente a um promontório com Safo ou se ele nasce
no meio da rua com Cesário Verde, o que os une é esse nascimento, o mesmo
batimento que implica diferentes vibrações, o mesmo início, que implica
diferentes processos. O poema ensina a cair no chão ou ensina a rir dessa
queda, o poema ensina a ver o outro mas também a ser sempre outro, doutra forma
diríamos: o poema faz nascer, o poema faz brotar, o poema multiplica ângulos e
nisso é tão humilde como uma raiz ou um semente que leva a vida no seu interior
e que só necessita um pouco de água, um pouco de terra, um pouco de luz, uma
comunicação (que é também assonância e conversa) da natureza. Tudo aqui é soma,
tudo aqui é mudança, acrescento, comunicação, comunhão; união enfim, é disso
que falamos quando falamos de poesia, de um abraço com uma geração intemporal,
de um abraço com Orfeu, de um abraço com Diógenes; este é o contacto que a
poesia inaugura, um gesto que se pretende infinito, um mergulho, um abraço,
nisso a poesia parece-se muito ao ato de nadar, de atravessar, de romper,
quando escrevo um poema atravesso o teu peito a nada e isso é a minha comunhão,
o momento de erguer a cabeça e continuar a olhar o chão, aquele momento de
acendimento que se dá antes das grandes viagens. O poema antecede a viagem. Ele
dá-se num mergulho de luz, num momento de celebração, de encontro (com o todo e
com o mínimo), com a flor que rompe o
asfalto, com um mundo que se afirma quando o afirmamos. Este é o mundo,
resta celebrá-lo, bendizê-lo, elevá-lo, acendê-lo, esse é o momento poético, o
momento de criação de ênfase.
Nuno Brito.
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