domingo, 16 de outubro de 2016

Ana Cristina Joaquim


1.

Retratação pelas unhas dos
pés,
agora em sangue no açougue NUDE
baixo guia pelo meio
formas frias
estranha CINZA
polegares carne crua,
cruel.
Silêncio exibe pontas
noite do faquir disforme
 – não dorme, dorme –
o medo aflora ROXO
aromas, suores.
Repetida vida treme e
sangra pelos poros. 


 2.


Mulher brava os seios doem
sobrancelhas grossas os seios doem, sinalizam.
O chá estragado, essa unidade da dor
a mãe confunde: noite
hoje. Noite hoje de
sovacos e testas
essa unidade sem fim o corpo – o irmão
 o corpo dói.
Incomodava a noite a memória paralela
da dor, essa unidade da dor
 – não incide – grita esse
mote: MATE
morte sem fim.

Os cabelos são brancos e
caem. 

 3.
  
a pergunta hesitação demora a resposta grande
dispersa em branco mindinho sobre a pauta
fatia fracta das vias
como estão seus seios
sua palavra mãe 
sua forma insone
onde no seu movimento
dói
em que vago traço a existência
dos cacos
fere finos espaços
veias fluxo vago
você interrompe?
  

 4.


se dedo pequeno no
pé puder projetar
se no solo feito háluxsuperpoderoso.
um pote vazio cinzeiro fósforo
medula abismal encolha dos seios interrupção
verbete inóspito
túmulo
túmulo
túmulo.
momento a mão
olha
sem desatenção, atenta a mão olha.
osso a osso rarefeita.



 5.

acaricia enxofre a mão enorme
espeta insone miúdos fumos

ninguém amacia a
via daninha
dragões ou armaduras passos nem regressos.

ramifica a escuta o cabelo
eco
o cabelo enorme acelera os passos eco.

por aqui ninguém.



 6.

(O cordão do entendimento passava
necessariamente pelo
buraco da pia que breve, nas grandes cidades,
urgentes como são, daria no esgoto
centenário)



 7.

Cadaverizar o relógio de
pulso preso pelas cordas do
tempo, sucede.
Cronológico destino azeda,
investe contra o
que lia,
relia
no livro dos cruzados dias,
ásperos ares.
Antecede a rima. O metro
da medida morna
consola apressada
vidraria.
Submete a ira.
Ainda ontem –o ponteiro –
transparente guia.
Vagaroso engano,
o ruído mede o vate
verossímil.
Joga hoje
essa mortalha
herege
grita e principia.



 8.

Sob o altar obsceno
esconde o diâmetro do
esquema corporal.
Existência chaminé,
evidência própria, concêntrica.
Adesão móbile das dimensões
biológicas, Cogito sensório,
riso histérico.


 9.
No centro do precipício há um pêndulo hipnótico,
o seu rosto a fascinar os dias, movimento irregular,
gama de dedos a multiplicar o ventre.
No contorno do abismo,
distensão das horas máximas ultrapassadas pelo instante.
Permanece ave cintilante quando gaita do futuro,
incursões pelo destino de dois:
meu fundo,
seu dorso,
minha abertura angular.
Nossos traços flores abismais, peixe finíssimo das marés, vasos invencíveis,
nosso ciclo.
Apreciação dos cheiros, seu gesto inunda os meus espaços,
a loucura abocanha a noite, essa massa espessa que demarca o tempo.
Seu tom, seu dom, meu modo medo de espasmo lúbrico.
Hidrografia semeada na permuta: você, meu outro, ouro dos dias,
face incógnita do valor das horas.
Do outro lado de nós,
chumbo receio do falecimento permanece, minha
visão irremediável do que possa haver além,
sua morte anoitece os olhos, anuncia o incolor dos tempos,
dissipa.



 10.

as flores entremeiam gestos
anunciam cores agudas e,
revelando todos os segredos, súbitas somem.

suas formas de esconder-se, o esforço de ter de buscá-lo entre palavras.
êxtase perceptivo – seu estado de indeterminâncias, suas arestas irreparáveis, seu contorno amplo, brusco: ruído, cheiro, gosto.
indício elementar e já não está mais ali, fugaz a sua tara,
a desenvoltura do mote pelo o toque, o susto, vento violento,
lisura das escamas escorregam lancinantes.
a proximidade imperiosa acentua o trecho
o olho percorrendo breve.
 a pupila. o traçado circular
o único possível
desvenda o termo de todas as coisas e
permanece



 11.

Me consignei ao estômago
quando se tratava de fome.
Ao espaço faltavam pernas corrediças,
o anúncio da contagem das horas.
O meu lume.
A noite acende os tumores sem que
se possa saber 
do corpo
o mapa
a musculatura distendida
a ordem de disposição
a mancha verde no canto da perna
medo pulmonar preenchendo cinzeiros.
Dizendo que sim, a cabeça balança ávida
coleta de sangue
400 ml.



 12.

Detestamentário de uma tabagista
Quando eu morrer, joga minhas cinzas sobre o meu corpo



 12.

Sobre suas palavras em minha boca

Para Juliana Amato, a amiga.

Calada pensou que valeria, valia.
Retirava-se daquela bagunça toda                                                     
 – coisas dela – sobre o que decidira (e sem mais).                            
Diversidade de pessoas, de berros, pareciam animais.
No retorno
naquele dia roxo
nos milhares de nós que, obrigada a desatar,
desatou.
Vitupérios: vituperava, vituperava.
Todos os anos lhe valeram uma única porrada,
porradíssima na boca do estômago
bastaria.
O amor não vale nada
O amor não presta e fede
O amor é ordinário, vagabundo
O amor é uma coisa barata e nada a ver

O amor é uma balada pop.



 13.

inseto indagativo desorganiza a
melodia e
dança, calça suas patas
reúne aves peixes
mangagás insetos
adivinha bafos

jimbo pássaro se abre
jimbo concha se abre
transe erótico das tripas,
atravessa
avessa
magia inseta magia
alada mulher
(ataques fêmeos)
figa chave lesa fresta
brecha, brecha.


Ana Cristina Joaquim; Partilhado a partir deMallarmargens: Revista de Poesia e Arte Contemporânea

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