para Cândido
Portinari
Vejo sangue no ar, vejo o piloto
que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que
a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu
estradivárius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos
irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo
chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires.
Vejo a
nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem
vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E
vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o paraquedas, e
a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E
o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres
mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão
tranqüila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma
estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de
Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.
Jorge de Lima
[Poesia completa, 1, 1980.]
[Poesia completa, 1, 1980.]
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