I
Aspiração... desejo aberto todo
Numa ânsia insofrida e
misteriosa...
A isto chamo eu vida: e, d’este
modo,
Que mais importa a forma?
Silenciosa
Uma mesma alma aspira à luz e ao
espaço
Em homem igualmente e astro e rosa!
A própria fera, cujo incerto passo
Lá vaga nos algares da deveza,
Por certo entrevê Deus – seu olho
baço
Foi feito para ver brilho e
beleza...
E se ruge, é que a agita surdamente
Tia alma turva, ó grande natureza!
Sim, no rugido há uma vida ardente,
Uma energia íntima, tão santa
Como a que faz trinar ave
inocente...
Há um desejo intenso, que alevanta
Ao mesmo tempo o coração ferino,
E o do ingênuo cantor que nos
encanta...
Impulso universal! forte e divino,
Aonde quer que irrompa! e belo e
augusto.
Quer se equilibre em paz no mudo
hino
Dos astros imortais, quer no
robusto
Seio do mar tumultuando brade,
Com um furor que se domina a custo;
Quer durma na fatal obscuridade
Da massa inerte, quer na mente
humana
Sereno ascenda à luz da
liberdade...
É sempre eterna vida, que dimana
Do centro universal, do foco
intenso,
Que ora brilha sem véus, ora se
empana...
É sempre o eterno gérmen, que
suspenso
No oceano do Ser, em turbilhões
De ardor e luz, evolve, ínfimo e
imenso!
Através de mil formas, mil visões,
O universal espírito palpita
Subindo na espiral das criações!
Ó formas! vidas! misteriosa escrita
Do poema indecifrável que na Terra
Faz de sombras e luz a Alma
infinita!
Surgi, por céu, por mar, por vale e
serra!
Rolai, ondas sem praia, confundindo
A paz eterna com a eterna guerra!
Rasgando o seio imenso, ide saindo
Do fundo tenebroso do Possível,
Onde as formas do Ser se estão
fundindo...
Abre teu cálix, rosa imarcescícel!
Rocha, deixa banhar-te a onda
clara!
Ergue tu, águia, o vôo
inacesssível!
Ide! crescei sem medo! Não e avara
A alma eterna que em vós anda e
palpita...
Onda, que vai e vem e nunca pára!
Em toda a forma o Espírito se
agita!
O imóvel é um deus, que está
sonhando
Com não sei que visão vaga,
infinita...
Semeador de mundos, vai andando
E a cada passo uma seara basta
De vidas sob os pés lhe vem
brotando!
Essência tenebrosa e pura... casta
E todavia ardente... eterno alento!
Teu sopro é que fecunda a esfera
vasta...
Choras na voz do mar... cantas no
vento...
II
Porque o vento, sabei-o, é pregador
Que através das soidões vai
missionando
A eterna Lei do universal Amor.
Ouve-o rugir por essas praias,
quando,
Feito tufão, se atira das
montanhas,
Como um negro Titã, e vem
bradando...
Que imensa voz! que prédicas
estranhas!
E como freme com terrível vida
A asa que o libra em extensões
tamanhas!
Ah! quando em pé no monte, e a face
erguida
Para a banda do mar, escuto o vento
Que passa sobre mim a toda a brida,
Como o entendo então! e como atento
Lhe escuto o largo canto! e, sob o
canto,
Que profundo e sublime pensamento!
Ei-lo o Ancião-dos-dias! ei-lo, o
Santo,
Que já na solidão passava orando,
Quando inda o mundo era negrume e
espanto!
Quando as formas o orbe tateando
Mal se sustinha e, incerto, se
inclinava
Para o lado do abismo, vacilando;
Quando a Força, indecisa, se
enroscava
Às espirais do Caos, longamente,
Da confusão primeira ainda escrava;
Já ele era então livre! e rijamente
Sacudia o Universo, que
acordasse...
Já dominava o espaço, onipotente!
Ele viu o Princípio. A quanto nasce
Sabe o segredo, o gérmen
misterioso.
Encarou o Inconsciente face a face,
Quando a Luz fecundou o Tenebroso.
III
Fecundou!... Se eu nas mãos tomo um
punhado
Da poeira do chão, da triste areia,
E interrogo os arcanos o seu fado,
O pó cresce ante mim... engrossa...
alteia...
E, com pasmo, nas mãos vejo que
tenho
Um espírito! o pó tornou-se idéia!
Ó profunda visão! mistério
estranho!
Há quem habita ali, e mudo e quedo
Invisível está... sendo tamanho!
Espera a hora de surgir sem medo,
Quando o deus encoberto se revele
Com a palavra o imortal segredo!
Surgir! surgir! — é a ânsia que os
impele
A quantos vão na estrada do
infinito
Erguendo a pasmosíssima Babel!
Surgir! ser astro e flor! onda e
granito!
Luz e sombra! Atração e pensamento!
Um mesmo nome em tudo está escrito
—
...................................................................
Eis quanto me ensinou a voz do
vento.
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