Respirar fundo. Arejar os olhos na roupa estendida sobre as cordas –
pudesses ser simples como uma corda atravessando a noite inteira. Pousar a
cabeça nos ombros de um amigo e dizer-lhe, bem fundo, um sorriso. Guardar duas
mãos que seguraram o mesmo guarda-chuva. Dizer: amo-te a uma passadeira
suficiente larga para encolher o horizonte dos meus passos em branco. Enterrar
a infância nas raízes de um salgueiro e beijar, sem medo, boa noite mãe, boa noite pai.
Dar às mãos crença maior que todo este chão. Deixar que o chão me leve até onde
possa regressar e, ao regressar, ter chão que chegue para todo o tempo que
trago entre as mãos. Adorar a boca num velho pregão que é garganta da rua,
grito harmónico do cego por quem passo e que me diz: há tantas flores belas no
meu jardim. Lavar solidões na margem do rio; dizer, nunca mais, para de seguida
poder dizer, mas só mais uma vez. Rir pássaros que ficarão por aqui todo este
inverno. Dar partidas e chegadas ao coração, ensinar-lhe os horários por que se
vão os comboios. Deixar-lhe as palavras que chegarão para o salvar do silêncio.
Beatriz Hierro Lopes.
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