MATÉRIA SOLAR
5.
Claro que os desejas, esses corpos
onde o tempo não enterrou ainda
os cornos fundos – não é o desejo
o amigo mais íntimo do sol?
Que os desejas, como se cada um
deles fosse o último, último corpo
que o teu corpo tivesse para amar.
13.
Aqui me tens, conivente com o sol
neste incêndio do corpo até ao fim:
as mãos tão ávidas no seu voo,
a boca que se esquece no teu peito
de envelhecer e sabe ainda recusar.
18.
Eu amei esses lugares
onde o sol
secretamente se deixava acariciar.
Onde passaram lábios,
Onde as mãos correram inocentes,
O silêncio queima.
Amei como quem rompe a pedra,
ou se perde
na vagarosa floração do ar.
25.
Cala-te, a luz arde entre os lábios
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
esta perna é tua?, é teu este
braço?,
subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente à tua boca,
abre-se a alma à língua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi fácil, nunca,
também a terra morre.
28.
Dormíamos nus
no interior dos frutos.
É o que temos: sono
e a estiagem subitamente
até ao fim.
Amargos.
Pela humidade descia-se
às fontes – lembro-me.
Dos lábios.
46.
Olha. Já nem sei de meus dedos
roídos de desejo, tocava-te a
camisa,
desapertava um botão,
adivinhava-te o peito cor de trigo,
de pombo bravo, dizia eu,
o verão quase no fim,
o vento nos pinheiros, a chuva
pressentia-se nos flancos,
a noite, não tardaria a noite,
eu amava o amor, essa lepra.
Eugénio de Andrade – Matéria Solar
(1980).
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