Lianor
Hoje no elevador descobri o seu
nome.
No cartão pessoal, que retirou com
cuidado
para não soltar os fios da camisola
de lã,
estava escrito à màquina Lianor.
Leonor no espelho do elevador vê
pelo canto do olho se está
[arranjada.
Ela sabe que por detrás da orelha
já não tem uma flor
[selvagem, e por isso
tem espaço para arrumar o seu
cabelo com a mão, como se
[o
escondesse.
Repara nos seus dedos riscados pela
esferográfica que deixou
[arrumada
sobre a secretária. Está bonita na
sua insegurança.
Leonor é agora tão verdadeira nessa
impureza frágil como
a água canalizada, que escondida na
parede do prédio
só é relembrada quando falta na
torneira.
Leonor em vez de se colocar a meio
do elevador vazio
[prefere pôr-se,
aconchegada a um canto, tal como
faz à noite antes de
[adormecer,
de modo a não sentir o resto da cama
fria.
João Miguel Queirós, in Poetas sem qualidades, Lisboa, Averno,
2002.
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