sábado, 13 de setembro de 2014

António Botto. Ciúme



I

Venham ver a maravilha
do seu corpo juvenil.

O sol encharca-o de luz,
e o mar de rojo tem rasgos
de luxúria provocante.

Avanço, procuro olhá-lo
mais de perto… A luz é tanta
que tudo em volta cintila
num clarão largo e difuso…

Anda nu - saltando e rindo,
e sobre a areia da praia
parece um astro fugindo.
Procuro olhá-lo; - e os seus olhos,
amedrontados, recusam
fixar os meus… - Entristeço…
Mas nesse olhar fugidio –
pude ver a eternidade
do beijo que eu não mereço.


IX

Não. Continua o teu caminho.
-Abraça e beija aqueles que tu quiseres
porque fico na certeza
de que fui eu quem deu alma
a todos os movimentos
 da tua sensualidade!

Carícias intermináveis,
comprou-as o meu dinheiro!
Inútil!... Guarda os teus braços,
Guarda-os, sim, para o primeiro!...

Deste-me tudo o que eu quis!

Fiz do teu corpo bandeira
na guerra do meu anseio!

Mas sinto que me apeteces
por entre náuseas profundas.

Cheio de lama e de sonho,
ando a ver se encontro a origem
das nossas vidas imundas.
                                                         

António Botto, in Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, (Seleção, prefácio e notas de Natália Correia), Lisboa, Antígona / Frenesi, 2008, (5ª edição), p. 417.

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