sábado, 10 de junho de 2017

Ana Hatherly: A palavra poética em metáfora de obsidiana


A obsidiana é um vidro vulcânico
negro como a antracite, o ónix, o azeviche.
Antes de ser vidro, porém, foi lava ardente
pedra líquida
vómito das profundezas
válvula de escapa
massa de bolo cru
concha de pedra que estala
revelando o seu recheio
que escorre ácido e fétido
como tumor que arrebenta.
Explusão de estupenda cor
jacto feérico, pirotécnico
solta estrelas vivas
fogo de oiro
que cintilia contra o céu que ferve
raivoso ao contacto com o mar
Quando por fim arrefece e se transforma em cinza
a obsidiana concentra-se
e do nada faz o seu diamante.
                                                                                   

Ana Hatherly, O Pavão Negro. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003.

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