quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Museu de Cera


            I.

Tive ontem um estranho pesadelo. Estava num local que não parecia ser a Terra, e um guia muito alto levava-me pela mão, tinha feições que se pareciam com as do DJ Kant, mas por alguma característica no seu perfil e gestos, percebi que não era ele. Falava-me em latim, e não sei como, eu percebia. O sonho permite-o. Guiou-me até um grande muro com um portão, não dava para ver onde acabava o muro, perdia-se no horizonte para um e outro lado. Olhei para trás, vi que só havia deserto: Alguns cactos e elevações de terra, como uma paisagem do Arizona. Um abutre aterrou em cima do muro, enquanto o portão se abriu. O guia disse-me: Os abutres também sonham – Sorriu. Entramos por um corredor e ele disse-me: Aqui está um museu de cera.

            II.

Avisou-me que o museu reproduzia todas as pessoas da Terra, todas elas, dos diferentes continentes, ilhas, pólos, estavam ali diante de nós esculpidas de cera. Assim que um homem morria na terra, a sua reprodução no museu era retirada para um armazém onde a cera era reciclada para fazer as estátuas dos bebés que nasciam. A cada semana os artesões trabalhavam cada estátua, alterando-lhes as expressões que o tempo fazia na realidade, aumentado os cabelos, alongando um pouco o corpo das crianças durante o seu crescimento, encurvando os mais velhos, baixando-os, a cada mês esculpindo novas rugas a partir da cera. O número de artesões que trabalhavam no museu era o mesmo número de pesadelos que um homem pode ter durante a sua vida completa – disse-me o meu guia.
            III.

            Estávamos no centro do museu, o director dos artesões juntou-se a nós, cumprimentou o meu guia e começou a falar para ele, sem olhar para mim. Não percebia o que diziam. Por vezes o director olhava para mim de lado, virando logo a cara para o guia. Suspeitei que estivessem a falar de mim. Tive medo.

            IV.

            No centro do museu estavam os amantes abraçados, a sua reprodução em cera, os seus gestos paralisados num momento que realmente aconteceu na Terra. Tive vontade de acordar, tinha consciência que estava a sonhar, mas não o conseguia fazer. O guia levou-me depois a duas estátuas que eram a nossa reprodução, Cecília. Abraçados no miradouro. Eu segurava-te a mão, e alisava-te o cabelo, tu estavas com a cabeça encostada ao meu peito. Tinhas adormecido - disse-me o guia. O diário estava a teus pés, tinha-te caído das pernas, agora lembrava-me. Todos os que os leriam também seriam reproduzidos em cera.

Nuno Brito, Duplo-Poço.

Sem comentários:

Enviar um comentário