sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Um Amor de Swann

Um dia, na etapa mais tranquila e larga que havia podido superar sem que os cíúmes o atacassem, tinha aceitado ir pela noite ao teatro com a Princesa dos Laumes. Ao abrir o jornal para procurar a programação, a leitura do título: As raparigas de mármore de Théodore Barrière sacudiu-o com tanta crueldade que momentaneamente atirou-se para trás e afastou a visão. Enfocada por luzes de velas, naquele novo sítio em que aparecia, a palavra "mármore" que ele tinha perdido já a faculdade de distinguir, por encontrá-la tão frequentemente diante dos seus olhos, de repente se tinha tornado visível e tinha-o feito recordar instantaneamente aquela história que Odette lhe tinha contado no ano anterior, de uma visita que tinha realizado no Salão do Palácio de Indústria com a Senhora Verdurin, e onde esta lhe tinha dito: "Presta atenção, eu saberei descongelar-te, tu não és de mármore". Odette tinha-lhe assegurado que se tratava de uma piada e ele não tinha dado mais importância a isso. Mas nessa altura tinha mais confiança nela do que agora. E precisamente a carta anónima falava de amores dessa classe. Sem se atrever a olhar o jornal, desdobrou-o, passou uma página para não ver o título: As raparigas de mármore e começou a ler maquinalmente as notícias da província.

Marcel Proust, Um Amor de Swann. 
        



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