Eu, Marília, não sou algum
vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado;
de tosco trato, de expressões
grosseiras,
dos frios gelos e dos sóis
queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite,
e mais as finas lãs, de que me
visto,
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos ainda não está cortado;
os pastores, que habitam este
monte,
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio
Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste
nem canto letra, que não seja
minha.
Graças, Marília
bela,
graças à minha
estrela!
Mas tendo tantos dotes de ventura,
só apreço lhes dou, gentil pastora,
depois que o teu afecto me segura
que queres do que tenho ser
senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser
dono
de um rebanho que cubra monte e
prado:
porém, gentil pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que
um trono.
Graças, Marília
bela,
graças à minha
estrela!
Os teus olhos espalham luz divina,
a quem a luz do sol em vão se
atreve;
papoila ou rosa delicada e fina
te cobre as faces, que são cor da
neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
teu lindo corpo bálsamo vapora.
ah! Não, não fez o céu, gentil
pastora,
para glória de amor igual tesouro!
Graças, Marília bela,
graças à minha
estrela!
Leve-me a sementeira muito embora
o rio, sobre os campos levantado;
acabe, acabe a peste matadora,
sem deixar uma rês, o nédio gado.
Já destes bens, Marília, não
preciso
nem me cega a paixão, que o mundo
arrasta;
para viver feliz, Marília, basta
que os olhos movas, e me dês um
riso.
Graças Marília
bela,
graças à minha
estrela!
Tomás António Gonzaga (Porto, 1744, Moçambique, 1810).
Silva Porto, A Ceifa.
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