sábado, 8 de fevereiro de 2014

Tomás António Gonzaga

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado;
de tosco trato, de expressões grosseiras,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite,
e mais as finas lãs, de que me visto,
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos ainda não está cortado;
os pastores, que habitam este monte,
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste
nem canto letra, que não seja minha.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Mas tendo tantos dotes de ventura,
só apreço lhes dou, gentil pastora,
depois que o teu afecto me segura
que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
de um rebanho que cubra monte e prado:
porém, gentil pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que um trono.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,
a quem a luz do sol em vão se atreve;
papoila ou rosa delicada e fina
te cobre as faces, que são cor da neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
teu lindo corpo bálsamo vapora.
ah! Não, não fez o céu, gentil pastora,
para glória de amor igual tesouro!
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Leve-me a sementeira muito embora
o rio, sobre os campos levantado;
acabe, acabe a peste matadora,
sem deixar uma rês, o nédio gado.
Já destes bens, Marília, não preciso
nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;
para viver feliz, Marília, basta
que os olhos movas, e me dês um riso.
Graças Marília bela,
graças à minha estrela!

Tomás António Gonzaga (Porto, 1744, Moçambique, 1810).


Silva Porto, A Ceifa.

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