Falava‑se
em Oaxaca da tua sede e de uma menina que injectou petróleo no peito —
Cristalizou na sua boca um líquido em fogo a formar‑se no
canto do lábio em ponto de açúcar, em ponto de sol e fuga e conjunto de limões
e conjunto de homens que acedem os faróis: e descia da sua boca, pela casa,
pelo chão, descendo as escadas, descendo o passeio, descendo a montanha, e pela
montanha abaixo descia um sol líquido adocicado pela memória de todos — toda a
memória do mundo a descer como um degelo solar pela montanha abaixo, todas as
montanhas abaixo: À beira do mar pensava‑se que o Vesúvio tinha
irrompido. Todos saíam para os seus trabalhos e acendiam todos os faróis
vermelhos que anunciam a nova era e os faroleiros entravam com uma mensagem
nova, e as mulheres dos faroleiros iam aos faróis levarem um tupperware com
sopa e trazer a roupa suja para lavar, e sacavam a roupa suja e voltavam a
levar a roupa suja. E faziam amor com eles no cimo de todos os faróis. E da
montanha descia a memória em direcção ao mar, em ponto de sol, em ponto de fuga
adocicada: Fizemos um pacto com a vida e com tudo quanto flui. A santa injectou
petróleo e cristalizou na sua boca um fio que caía ardente — Todo o sol,
carregado de sal e doçura a entrar na veia de cada heroinómano, de todos os
amantes… Iam para perto dos faróis: às seis e trinta: por baixo da ponte da
Arrábida um carro estacionado com dois amantes, os vidros embaciados. Depois
ele abre o vidro e acende um cigarro de haxixe, o vento do mar entra no carro e
bate fresco e quente ao mesmo tempo na cara dos dois. Ela baixa‑se,
encosta‑se contra o peito dele. Sente‑lhe
o coração. Leve e seguro. Ele passa‑lhe suavemente as mãos pelos
cabelos. Beija‑lhe as orelhas. A menina em directo para a CNN a injectar leite
condensado no peito para afastar todas as nuvens que são rios inteiros em forma
de vapor a flutuarem. Não era o quê? Dizia‑se o quê? Em Oaxaca. Falava‑se
de febre e limões, de beijos na boca que podem não acabar, de línguas
entrelaçadas, de mãos dadas, de mergulhos no mar. Falava‑se de
Pedro Abelardo e Heloísa, de Mariana Alcoforado e de Alejandra Pizarnik. Diziam
as raparigas de cabelo curto, com a boca cheia de cerejas negras, que o sol
podia um dia não vir. Os Atlantas esperam‑no, fazem um pacto com ele,
nós com a vida. Creme de la creme pela montanha abaixo.
O padre de
Hiroshima a apanhar o sol no fundo da montanha. O padre de Hiroshima a meter um
bocado na boca. A beber o degelo: a apanhar as sombras do chão. A prendê‑las
com molas no estendal — e, como a mulher dos faroleiros e dos cortadores de
carne, a estender também a sombra dos cogumelos e dos prédios que derreteram
para o chão e a sombra dos lírios e dos corvos e a pegar fogo, com o seu
isqueiro, às sombras das girafas, de todos os homens, animais, plantas e
coisas: Adora, como todos a palavra «húmido»e o seu deus não é palavra e não se
escreve por palavras e não sabe ler nem escrever. E ler nem escrever ajuda a
encontrá ‑lo e ler e escrever não é nenhum deus: Dizia‑se
em Oaxaca que o sol viria sempre e isso chegava aos homens que levavam os seus
burros pela manhã.
Passava um
carro, um camião, os dois amantes por baixo da ponte Arrábida. Vão à bomba de
gasolina comprar tabaco e cerveja em lata. Voltam para o carro abraçados.
Dizia‑se em Oaxaca que o sol lhes ia entrar no peito:
Dizia‑se em Oaxaca que nós somos todos os outros. Uma
roleta russa de mel, para diabéticos enquanto descem flocos de neve para dentro
das bocas negras. Um nevão que cobre África. Falava‑se em
Oaxaca da minha vontade de te abraçar. Falava‑se de um derrame na artéria do
coração, um derrame de petróleo doce e branco como o leite condensado ou o leite gordo das
baleias. Um petróleo injectável: Falava‑se disso em Oaxaca enquanto
todos os carros passavam para o trabalho. Falava‑se com febre e as mãos a
tremer, outras vezes com calma e com a ajuda do mezcal e tequilla. A sombra dos
lírios violava a sombra dos homens. E a febre dos homens entrava nas mulheres:
Dizia‑se tudo isso em métrica sáfica e escrevia‑se
nas paredes dos cafés, das casas, das escolas e de todos os edifícios públicos,
o quanto te Adoro. O Padre de Oaxaca ouvia e secava as sombras e secava os rios
e esvaziava os mares com o seu balde de plástico: um trabalho como o de Sisifo.
De cada vez que se contem o choro, os rios sobem mais um pouco. Falava‑se
em Oaxaca da febre dos búzios, de pernas entrelaçadas, de braços entrelaçados,
de estrelas entrelaçadas. As mulheres dos pasteleiros acordavam a meio da
noite, com as suas meias de lã grossa, para virem abrir a porta à estrela que
com todas as suas pontas batia em cada porta, e entrava dentro das casas: Uma
estrela feita de solidariedade, que cresce quando as pessoas se abraçam, que é
só febre, sensação e calor.
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