quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Ana Hatherly. Casamento do Céu e da Guerra



Não, meu caro Blake
Esta não é, como a tua
Uma guerra mental
Para as cósmicas acrobacias
Que atravessam o fogo 
Das tuas fantasias
A acção heróica
Que outrora seduzia
Agora é um puro teste
E o campo de batalha
Visto de longe
de cima
de muito alto
É pura geometria
No rectângulo do scanner
As novas armas que cruzam nossos céus
Caem sobre a terra
Distraidamente
Errando o alvo
Enquanto os corpos desencarnam
À sombra das destruídas pontes da lembrança
Que queres de nós, Doctor Clash?
Que nos dizes lá do alto?
Um cruel pai nos entrega a este conúbio
Atirando a bola
Para o campo do adversário
Onde o árbitro já foi despedido
E vestido de preto
É uma mosquinha
No imenso campo
Verde
Porque a teimosa relva
Continua a crescer
para ser pisada 
para ser esmagada
Porque esse é o seu cruel programa
Do céu
Donde sempre nos veio
O fogo e a água
Continua a vir
O sustento da morte

 Ana Hatherly, Itinerários, Vila Nova de Famalicão, Quasi, 2003.

Sem comentários:

Enviar um comentário