sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Bruno Béu.


I.                    
Organonon[1]

a mão manifesta: quando
manifesta esconde. Azul
pelo vitral meia manhã tanto
pelo lado esquerdo, como
direito, a luz. por um segundo
olhava-a nas mãos. Suspenso
(no centro da simetria) ele tocava
um órgão alto. mas nesse instante, só
as mãos tocavam: sem ele
(ele via). por cima dos seus ombros, muito mais
do lado nascente (afinal meia manhã) vinha pelo vitral, o
azul nas mãos: sem ele. nenhuma vontade, como se
tudo já fora feito. música por si. As mãos nada
agarravam, tocando em tudo
só um som: o sopro longuíssimo
de um órgão alto. e lá atrás
do som, do êxtase, vitral, da simetria
escondido, só um mesmo movimento
de um homem pequeno no fole.

II
[relato posterior, já claro quanto ao local da morte]

A Joaquina Paes[2] hoje ainda
colocou as meias verdes, pela
manhã cedo (pouco antes
tinha saído para o banho) junto
do roupeiro claro, e alto: entre
o espelho quando se entra,
e ao longo, e larga («No princípio
era desfeita») a minha cama.

III
[nota de João torrêncio bompasto ao seu singular falecimento]

Morri hoje. Não posso dizer
muito mais de quem morreu:
fui eu.

Bruno Béu, in Meditações sobre o Fim: Os Últimos Poemas, Lisboa, Hariemuj, 2012.




[1] Texto encontrado junto ao seu corpo nu, ainda molhado e oleroso.
[2] Sua empregada de longos anos.

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