segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Camilo Castelo Branco: O dinheiro como inibição temática no Romantismo


 Nos romances todas as crises se explicam, menos a crise ignóbil  da falta da dinheiro. Entendem os novelistas que a matéria é baixa e plebeia. O estilo vai de má vontade para para coisas rasas. Balzac fala muito em dinheiro; mas dinheiro a milhões. Não conheço, nos cinquenta livros que tenho dele, um galã num entreacto da sua tragédia a cismar no modo de arrajar uma quantia com que pague ao alfaiate, ou se desembarace das redes que um usuário lhe lança, desde a casa do juíz de paz a todas as esquinas, donde o assaltam o capital e juro de oitenta por cento. Disto é que os mestres em romance se escapam sempre. Bem sabem eles que o interesse do leitor se gela a passo igual que o herói se encolhe nas proporções destes heroizinhos de botequim, de quem o leitor dinheiroso foge por instinto, e o outro foge também, porque não tem que fazer com ele. A coisa é vilmente prosaica, de todo o meu coração o confesso. Não é bonito a gente deixar vulgarizar-se o seu herói a ponto de pensar na falta de dinheiro. 


BRANCO, Camilo Castelo (1997), Amor de Perdição, Lisboa, Europa-América.

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