Nos romances todas as crises se explicam, menos a crise
ignóbil da falta da dinheiro. Entendem os novelistas que a matéria é
baixa e plebeia. O estilo vai de má vontade para para coisas rasas. Balzac fala
muito em dinheiro; mas dinheiro a milhões. Não conheço, nos cinquenta livros
que tenho dele, um galã num entreacto da sua tragédia a cismar no modo de
arrajar uma quantia com que pague ao alfaiate, ou se desembarace das redes que
um usuário lhe lança, desde a casa do juíz de paz a todas as esquinas, donde o
assaltam o capital e juro de oitenta por cento. Disto é que os mestres em
romance se escapam sempre. Bem sabem eles que o interesse do leitor se gela a
passo igual que o herói se encolhe nas proporções destes heroizinhos de
botequim, de quem o leitor dinheiroso foge por instinto, e o outro foge também,
porque não tem que fazer com ele. A coisa é vilmente prosaica, de todo o meu
coração o confesso. Não é bonito a gente deixar vulgarizar-se o seu herói a
ponto de pensar na falta de dinheiro.
BRANCO,
Camilo Castelo (1997), Amor de
Perdição, Lisboa, Europa-América.
Sem comentários:
Enviar um comentário