O
viajante decide comportar-se segundo a sua condição. Avança por uma rua que é
como um extenso charco, salto aqui, salto acolá, e vai tão atento a reparar
onde põe os pés que só no último instante vê que tem companhia. Dá os bons-dias
(nunca se habituou à saudação urbana que limita os bons votos a um dia de cada
vez), e assim mesmo é que lhe respondem, um homem e uma mulher que ali estão
sentados, ela com um grande pão no regaço, que daqui a pouco partirá para compartilhar
com o viajante (...) O viajante diz o que costuma “Ando por aqui a fazer uma visita. É uma
bonita terra” O homem não dá opinião. Sorri e pergunta “Quer provar do nosso
bagaço” Ora o viajante não é bebedor: gosta do seu vinho branco ou tinto, mas
tem um organismo que repele aguardentes. Porém em Rio de Onor um bagaço pode-se
lá recusar, mesmo vindo ainda tão longe a hora do almoço. Em dois segundos,
aparece um copito de vidro grosso e o bagaço, ainda quente, é aparado da bica e
emborcado garganta abaixo. Uma plaina não seria menos áspera. Há uma explosão no
estômago, o viajante sorri heroicamente e repete. Talvez para reparar os estragos, a mulher abraço o pão contra o
peito, tanto amor neste gesto, corta um canto e uma fatia, e é o seu olhar que
pergunta: Quer um bocadinho?
SARAMAGO, José (1995), Viagem a Portugal, Lisboa, Caminho.
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