domingo, 27 de outubro de 2013

Charles Dickens

Uma grande pipa de vinho tinha-se feito em pedaços na rua. O acidente tinha ocorrido quando descarregavam um carro; a pipa caiu ao chão, começou a rodar, os aros partiram-se ao baterem no empedrado e foi a abrir-se, como uma noz, em frente à porta de uma taberna. Toda a gente interrompeu aquilo que estava a fazer, ou os seus ócios, e correu ao lugar do sinistro com a sana intenção de beber vinho. As pedras do pavimento, ásperas, desiguais e pontiagudas, colocadas como a propósito para deixar inválido a todo o que por ela transita, tinham distribuído em pequenos charcos o líquido derramado, e à volta de cada um destes charcos apinhava-se, segundo a sua extensão, um grupo de bebedores que se empurravam. Alguns homens, de joelhos, recolhiam o vinho na palma das mãos e bebiam-no a grandes sorvos, ou deixavam beber as mulheres inclinadas sobre os seus ombros, que o bebiam não com menor avidez antes que o líquido se escorrera entre os dedos. Outros, homens e mulheres, recolhiam-no do chão em pequenos jarros de barro lascados, e até com os lenços que as mulheres traziam à cabeça, que logo exprimiam até à última gota nas bocas abertas das crianças. Não faltava também quem fizesse pequenos diques de barro para conter o vinho que corria, nem quem, espicaçado pelos que observam desde as janelas mais altas, se precipitasse para aqui e para ali para se apropriar de pequenos regueiros que tomavam novas direções. Outros dedicavam-se a chupar pedaços de pipa meios apodrecidos pelo vinho, lambendo e até mordendo os fragmentos mais húmidos com ânsia e prazer.

DICKENS, CHARLES (2013), História de Duas Cidades, Lisboa, Civilização Editora.

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