Uma grande pipa
de vinho tinha-se feito em pedaços na rua. O acidente tinha ocorrido quando
descarregavam um carro; a pipa caiu ao chão, começou a rodar, os aros
partiram-se ao baterem no empedrado e foi a abrir-se, como uma noz, em frente à
porta de uma taberna. Toda a gente interrompeu aquilo que estava a fazer, ou os
seus ócios, e correu ao lugar do sinistro com a sana intenção de beber vinho.
As pedras do pavimento, ásperas, desiguais e pontiagudas, colocadas como a
propósito para deixar inválido a todo o que por ela transita, tinham
distribuído em pequenos charcos o líquido derramado, e à volta de cada um
destes charcos apinhava-se, segundo a sua extensão, um grupo de bebedores que
se empurravam. Alguns homens, de joelhos, recolhiam o vinho na palma das mãos e
bebiam-no a grandes sorvos, ou deixavam beber as mulheres inclinadas sobre os
seus ombros, que o bebiam não com menor avidez antes que o líquido se escorrera
entre os dedos. Outros, homens e mulheres, recolhiam-no do chão em pequenos jarros
de barro lascados, e até com os lenços que as mulheres traziam à cabeça, que
logo exprimiam até à última gota nas bocas abertas das crianças. Não faltava também
quem fizesse pequenos diques de barro para conter o vinho que corria, nem quem,
espicaçado pelos que observam desde as janelas mais altas, se precipitasse para
aqui e para ali para se apropriar de pequenos regueiros que tomavam novas
direções. Outros dedicavam-se a chupar pedaços de pipa meios apodrecidos pelo
vinho, lambendo e até mordendo os fragmentos mais húmidos com ânsia e prazer.
DICKENS, CHARLES (2013), História de Duas Cidades, Lisboa, Civilização Editora.
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