O
rapaz de cabelo verde era eu, em finais de setenta,
a
fugir por entre silvas e valados, quando a turba
dos
chacais acometia as minhas pernas de pardal,
e
só de bicicleta me tirava eu de apuros, pois
as
pedras, os apupos, as polés insistiam em mostrar-me
elementos
capitais de filosofia política.
Pedalava
sobre lágrimas, de volta para os braços
do
meu sangue, trepava para o muro do quintal
e
de lá esconjurava os assassinos: filhos de uma puta!
Anos
depois - que alegria já não ser o mais
cobarde,
ser a mão que traz o pau, a bofetada;
e
rir entre os iguais, no renque dos ungidos:
o
primeiro cigarro, o exame dos colhões - que sorte
ver
as lágrimas cair e não serem minhas.
José
Miguel Silva, in Poemas com Cinema, org. de Joana Matos Frias,
Luís Miguel Queirós e Rosa Maria Martelo, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010.
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