Segunda
Carta II
Conto-vos,
entretanto, a história da mãe dos animais, mito de uma tribo de índios da
América do Norte – e que paixões nostálgicas e sem remédio terão inventado os
índios nas suas reservas, morrendo aos poucos e os seus poços de petróleo, às
vezes, e seus fatos usados pelos hippies, e sua paixão agressiva, agora, na
prisão de Alcatraz. – Mãe dos animais foi a mulher abandonada pela sua tribo,
que se dispunha a fazer uma migração difícil, na altura em que ela paria; a
mulher ficou para sempre errandonos bosques, ensanguentada e medonha, Mãe dos
Animais, protegendo-os dos caçadores; e o caçador que a veja, com o susto tem
uma erecção, e a Mãe dos Animais viola então o caçador, concedendo-lhe a seguir
um sucesso infalível na caça.
E
lembro-me ainda, bastante mal, da história do homem que encontrou uma semente
debaixo da presa se um javali, e plantando a semente dela nasceu um coqueiro; e
tendo o homem ferido a sua mão, o seu sangue caiu sobre a flor, e da flor
ensanguentada nasceu uma rapariga, que foi dançar à praça pública, onde os
homens da aldeia a mataram, tendo-a enterrado no sítio onde dançava; a deusa
que protegia aquela gente retirou-se então para trás das estrelas, e passou a
recusar o seu auxílio. Lembro-me apenas destas coisas, sem nomes nem detalhes,
mas lembro aquilo que me interessa, sem dúvida e pergunto-me se a Mãe dos
Animais se vinga protegendo os animais, violando os caçadores ou dando a este
sucesso infalível na caça; e pergunto-me quem destruiu a rapariga que dançava,
se aqueles que a mataram, se o outro que dizia tê-la gerado do seu sangue numa
flor. Pergunto-me, enfim, sendo a força-paixão da Mãe dos Animais o seu errar
pelo tempo, qual o seu exercício protegendo os animais, se nostalgia do mundo
ou vingança aos homens, violando os caçadores, se vingança ao mundo ou
nostalgia dos homens, dando sucesso na caça, de si ou para si; sendo a dança a
paixão da rapariga, contra quem ou quê. Será desnecessário acrescentar que o
meu exercício é o da vingança; que quem está ferido não se recolha, antes
despeje o seu sangue no mundo. Porque o objeto da paixão é mesmo pretexto,
pretexto para nele ou através dele, definirmos, e em que sentido, o nosso
diálogo com o resto.
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