sábado, 3 de agosto de 2013

Carlos Drummond de Andrade: Elegia

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, 
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais, 
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual. 

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção. 
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze 
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas. 

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra 
e sabes que, dormindo, os problemas de dispensam de morrer. 
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina 
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras. 

Caminhas entre mortos e com eles conversas 
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito. 
A literatura estragou tuas melhores horas de amor. 
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear. 

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva. 
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição 
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan. 

Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo, 1940.

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