sexta-feira, 18 de julho de 2014

Wislawa Szymborska. Retrato de mulher


Tem de ser à escolha.
Tem que mudar para que nada mude.
É fácil, impossível, difícil, vale a pena tentar.
Olhos tem, se necessário, ora azuis, ora cinzentos,
negros, alegres, rasos de água sem motivo. 
Dorme com ele como qualquer uma, única no mundo.
Dá-lhe quatro filhos, nenhum, um. 
Ingénua, mas a melhor a aconselhar. 
Frágil, mas carregará o fardo. 
Não tem a cabeça no lugar, mas há-de ter.
Lê Jaspers e revistas femininas, mas constrói uma ponte.
Jovem, como sempre jovem, ainda jovem. 
Segura nas mãos um pardal com a asa partida,
o seu próprio dinheiro para uma viagem longa e distante,
o cutelo da carne, a compressa e um cálice de vodka.
Para onde corre assim, não estará cansada?
De maneira nenhuma, um pouco, muito, não importa.
Ou o ama, ou teima em amá-lo.
Para o bem, para o mal e por amor de Deus. 



 Wislawa Szymborska, Alguns Gostam de Poesia, Lisboa, Cavalo de Ferro, 2014.

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