terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Roland Barthes

Outro dia reli a Montanha Mágica de Thomas Mann. Este livro põe em cena uma doença que eu conheci bem, a tuberculose. Através da leitura retive na minha consciência três momentos desta doença: o do trama que ocorre antes da guerra de 1914; o momento da minha própria doença, por volta de 1942, e o atual, quando esta doença vencida pela quimioterapia, já não conserva em absoluto a mesma face que antes. Mas a tuberculose que eu vivi é muito parecida com a tuberculose da Montanha Mágica: ambos momentos se confundiam, igualmente afastados do meu próprio presente. Percebi então com estupefacção (só as evidências me podem deixar estupefacto) que o meu próprio corpo era histórico. Num certo sentido, o meu corpo é contemporâneo de Hans Castorp, o herói da Montanha Mágica; o meu corpo, que ainda não tinha nascido, já tinha vinte anos em 1907, ano em que Hans penetrou e se instalou no “país de cima”, o meu corpo é certamente mais velho do que eu, como se conservássemos sempre a idade dos temores sociais com os que pelo acaso da vida nos enfrentamos.


Roland Barthes, Lição, Lisboa, Edições 70, 2007. 


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