sábado, 20 de dezembro de 2014

Beatriz Hierro Lopes

Do Espaço

O meu avô materno morreu há um ano e nove meses. A última coisa que lhe pedi foi uma salamandra. Em troca enviou-me um cheque de cem euros para comprar um aquecedor que tive a oportunidade de lhe agradecer no seu leito de morte no corredor do Hospital de Penafiel. Da herança, a coisa mais certa que deixou foi metade de um jazigo onde não quis ser sepultado por lá estarem os seus pais. A família conta agora com dois meios jazigos em dois cemitérios do Porto.
Tenho um amigo. Um novo que agora tem nome. No seu quarto não há janelas. Duas clarabóias que nada devem ao romantismo centenário: antes à necessidade de haver luz. Que, uma sorte qualquer, garantiu ao dar dias ao tempo e umas telhas de vidro que um caixote de lixo lhe guardou. Sob elas uma cama para um corpo que, se olhar em frente e, se ao olhar em frente, olhar ainda mais em frente, vê uma retrete de louça. Livre de plásticos. Na casa do meu amigo nada se esconde. Tem periodicamente duas sacas de plástico. Uma, com fruta, maioritariamente laranjas; outra com um saco de arroz, conservas, um pacote de massa e um papelinho vermelho que diz «vale mensal: 2,50» para carne, se conseguir dão-lhe dois. Hoje, ao oferecer-lhe o almoço, confessou-me a sua preferência por unhas de porco.
Horas antes, na rua da Alegria, n.º 200, uma funcionária ao ler o seu relatório médico anexo ao pedido de pensão por invalidez disse-me que não bastava. Não chegava a tuberculose, o enfisema pulmonar ou o sangue. Era preciso um cancro. Daqueles de que um gajo sabe que não se safa. – «Isto será indeferido de certeza, as Juntas médicas só as dão quando uma pessoa está quase com os pés para a cova.», disse-me. Sorrindo-me com um colar de prata ao pescoço na forma de uma lemniscata. O meu amigo espera pelo rendimento social de inserção desde Fevereiro mas perdeu-o há mais de três anos. Comeu muitos vales mensais de carne. Tem sessenta e quatro anos e cinquenta e dois quilos. Receberá, talvez, enquanto espera um «fundo de maneio» na melhor das hipóteses de setenta euros.
Na casa do meu amigo não há segredos. Há ferro velho, um fogão de um só bico eléctrico, a retrete e a gratidão ao homem que lhe deu a chave daquela casa, de onde saiu quando o telhado aluiu. Quem passar na Ilha da Merda verá em frente a sua meia casa um pequeno quintal com um único limoeiro e uma vedação feita de persianas. Agora: cento e cinquenta quilos de batatas greladas e muitas podres que encontrou na Latino Coelho e trouxe às costas, em longas viagens, para lavar comer e dar a quem quiser. – «Quer batatinhas menina? Olhe que lavadinhas e limpinhas sabem muito bem.».
Às vezes enerva-se. Quando se enerva na segurança social ou no centro de saúde, abre muito os olhos, fecha os punhos, fecha a boca de quatro metades de dentes com muita força. Chora. O choro que o embacia e ajuda à surdez serve-lhe à ausência de se imaginar longe de mulheres, colares de prata, lemniscatas ou santíssimas trindades. Somos amigos e não o deixo falar. Somos amigos e jurei-lhe que não ia deixar que ele voltasse a acordar no meio de um procedimento médico por causa da negligência do anestesista. Prometi-lhe que ele não morreria. Ele confia em mim.
Na minha família temos dois meios jazigos em dois cemitérios da cidade, um mais nobre, o outro menos. Há cinquenta anos que deixamos de morrer na casa onde há duzentos anos nascíamos, adoecíamos, recuperávamos, casávamos e morríamos. Vendeu-se a homens de lei. Onde, por riso, em nove gerações apenas houve Homens de Lei. Nos anos vinte, ao bater um mendigo à porta de casa, o meu bisavô, que se preparava para jantar uma pescada cozida mandou a criada servi-la ao homem que pedia comida. Nessa noite, conta-se, o meu bisavô não quis comer.
Se eu fosse à meia casa do meu amigo e se ele estivesse a comer dois euros e meio de unhas de porco, ele dar-mas-ia. E, nessa noite, eu saberia que ele não comeria. Nem nessa nem nas seguintes. 
O que eu talvez só lhe poderia pagar cedendo-lhe um espaço onde deixar as suas cinzas. Espaço para a morte ainda há; mas, mesmo esse, nunca se sabe: é que a minha família é muito grande.

Beatriz Hierro Lopes

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Rosa Maria Martelo

A última cor

«Venenoso escuro» disse a criança
Ao mergulhar na água o pincel sujo de tinta.

Aviso, sinal, apocalipse, rio sem futuro,
Pequeno muro onde cor nenhuma
Fechava a toda a luz um copo de água.



Rosa Maria Martelo, Matéria, Lisboa, Averno, 2014.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Ana Martins Marques


Trapézio

Uma vez vendo um número de circo
apenas razoável
à noite
numa praça do interior
(tédio e susto, alcoóis fortes, lua baça)
foi que eu me dei conta de que
nunca houve um trapezista
que não estivesse apaixonado.
Todos os poemas são de amor.


MARQUES, Ana Martins. A vida submarina. Belo Horizonte: Scriptum, 2009.

Ana Martins Marques


  
Self Safári (Carta para Ana C)

Ciganas
passeando
com um rosto escolhido
por paisagens cegas de palavras
traduzidas
inconfessas
rabiscos
ao sol.
Cotidianas
vivendo dias de diários
e mentindo descaradamente
nos silêncios das cartas
(selos postais
unhas postiças
versos pós-tudo).
Fulanas
de nomes reversíveis
para ir e voltar
sem sair do lugar:
self safári
por essa paisagem toda
que no fundo
Ana
nada tem a ver conosco.



MARQUES, Ana Martins. A vida submarina. Belo Horizonte: Scriptum, 2009.

Daniel Francoy

O Poeta despede-se de algo infinito 

Hei de regressar
mas será no inverno
em alguma casa
diante da praia:
o tédio, o sal,
a pele ferida,
ferrugem que a noite
põe nas dobradiças
das portas quebradas
e no coração
que ficou – brinquedo
também esquecido,
carrossel de ferro
que ainda gira entre
risos e ruínas.

No imenso amanhã
o início da chuva
lava até os ossos,
as gaivotas somam
o branco ao branco,
sombras e memórias
(bafejo de nada)
hei de regressar
na aurora depois
das questões inúteis:
brindar com arsênico,
abrir os pulmões
ao vácuo estelar,
escavar a luz
nos subterrâneos.

2. 

No imenso amanhã
um bafejo de sal
o início da chuva
que lava até os ossos
as gaivotas somando
o branco ao branco
e eu de regresso
sombra e memória
na aurora depois
das cogitações inúteis:
beber arsênico
abrir os pulmões
ao vácuo nas nebulosas
escavar a luz
no claustro subterrâneo
abandonar o meu nome
à sorte das raízes.

Daniel Francoy

Partilhado a partir de Enfermaria 6

sábado, 13 de dezembro de 2014

Adrienne Rich


 



The moment of change is the only poem




Adrienne Rich, Images for Godard.

Nuno Júdice


Génese

Desfaço nos olhos o azul do céu, e
deito-o na página, com um brilho de manhã
à mistura. As palavras cintilam, numa
breve alquimia de luz. Depois, voltam
ao primeiro significado, mas o que leio
é já outra coisa. O azul fica envolto
numa espuma de oceano; a manhã
tem a frescura do fruto que se acabou
de colher; a página estende-se até
ao fim da imaginação, onde outros
continentes se abrem. E o rosto que
nela se imprime tem a tua cor, a tua
pele, o vermelho dos teus lábios,
o mármore divino do dia que nasce
quando, nos olhos, desfaço
o azul do céu.


Partilhado a partir de: http://aaz-nj.blogspot.pt/2006_09_01_archive.html

Malcolm Lowry


Sê paciente, pois o lobo


Sê paciente, pois o lobo está sempre contigo.
Escuta, imbecil, o som do teu desejo;
Não te deixes iludir, não é o mar,
O lobo é loucura, mas a lua é luz.
Deus virá de uma ignorância como a tua,
Não como um boneco de caixa de surpresas, mas como
Árvore feita pai choroso em delírio,
As dores da noite têm todas o seu trágico lugar,
Meio rosto de Deus procura a outra metade.
E Ele achará o teu génio na escuridão
E to restituirá sem fiador.

Sê paciente, pois o lobo está sempre contigo,
Feio e mau e, contudo, divino.
Esquece o estrépito do mar,
O mar desdenhoso fazendo beiço todo o dia,
Estridente como fábricas de vidro a estilhaçar-se.
Passa ao largo do mar lustroso, invindimável,
Pois quem lhe bebe mais fundo são os afogados.
A neve negra amontoa-se sob o relógio,
Onde o encontro falhado se junta a tempo ao coração magoado.
Este é um mundo de mistérios sem valor.
Sê paciente, pois muita, muita coisa é paciente.

Sê paciente, pois o lobo é paciente,
Aquele cuja sombra curta aqui parou.
Os prados aguardam que os arco-íris digam Deus,
As sombras aguardam que tu digas a palavra,
Duas almofadas confiam no amor para salvar o mundo.
Ao luar o mineiro vacila junto à âncora suja.
O frete aguarda: o navio congela no fiorde.
O anjo aguarda, o coração feito mão dorida
Pronta a levar-te, longe de nós, para o país do entardecer,
Onde ninguém é voraz, mas onde as coisas se fazem,
E onde não há lobo, nem pensar em dilúvio.
Sê paciente, porque o lobo é paciente.
O pisco aguarda das trevas a reparação,
A andorinha anseia pelo Outono para dizer já,
E Eco por Hero, para não responder não.
Só o sino que segue não espera,
Galopando o seu rosto de mãe pelos campos fora,
Para te esfolar até ao osso com a rudeza do repique.
No começo do Inferno, no meio
Da floresta, a imagem oscila entre mãe e mar.
Não dês ouvidos ao sino nem ao mar envelhecido,
Mas ao bom e querido lobo jura fidelidade.

Sê paciente, por causa do lobo, sê paciente:
Todas as dores e guinchos da noite têm o seu lugar,
Acharás a tua toca de sangue quente e enfim repousarás;
As sombras aguardam que digas a palavra.
Escuta agora o teu próprio passo macio e manhoso.
Sê paciente, por causa do lobo, sê paciente -
O passo dele é já o teu, és livre porque despojado.


Malcolm Lowry, As cantinas e outros poemas do álcool e do mar, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Ana Martins Marques


 Dardo

Existe o corpo,
o eixo dos joelhos, as dobras,
a força teatral dos membros, o gosto acre,
o extremo silêncio,
as mãos pendentes.
Existe o mundo,
as savanas e o iceberg,
as horas velozes, o falcão,
o crescimento secreto
das plantas, o repouso dos objetos
que envelhecem no uso, sem dor.
Existe o poema,
um dardo atirado a coisas mínimas,
à noite, às cicatrizes.
Um secreto amor os une,
as mãos na água, a memória do verão,
o poema ao sol.


Ana Martins Marques, A Vida Submarina (2009).

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Alexandre Sarrazola

 Reis

está para chegar o inverno
desbotam as cores de estio no teu sorriso
são martinho atravessa a Rua da Palma
e a avó reza a santa bárbara

eu mordo o lábio quando tocam os sinos
no jardim zoológico abrigam-se os leões
passa a última fanfarra à nossa porta
chegou o tempo de jogar ao prego

virá o discurso do patriarca
e o radiador entre os pés e a televisão
o gato dorme ao nosso colo
vamos pôr os músicos sobre o musgo do presépio

depois chegam os Reis (é um dia sempre triste)
e sob a chuva de domingo a alma passeia
envergando o seu fato branco de janeiro


Alexandre Sarrazola, Thaumatrope, Lisboa, Averno, 2007.


Partilhado a partir de HospedariaCamões.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

André Domingues

Personagens Secundárias


Escreves o livro da tua vida com a boca colada a um manancial. O teu coração está em Madrid, algures entre a promiscuidade da selva e a tristeza do arcanjo. Fazes um esforço insano para pareceres invariável, grato, trivial, nem que seja por um instante. Aprendeste a falar mais alto. A dobrar as consoantes, a abrir as vogais. Aprendeste a conviver com a elipse, a olhar com profundidade para os vazios narrativos que arrastam o fedor e a fidelidade pelas paredes do teu pequeno quarto alugado e até o teu desespero se tornou elegante e sociável, depois de teres provado a sua ineficácia total. Sempre que o narrador te obriga a caminhar pelas ruas movimentadas da cidade, sem outro propósito que não o da pura locomoção, tu fazes ligeiras digressões interiores para escapares à prepotência mecânica da fábula e extrais dessa minúscula infracção uma radiosa e inevitável felicidade. O enredo dobra-se e desdobra-se vezes sem
conta numa sinuosa procissão de mandatos, ordens, desordens e recados, que cumpres escrupulosamente até não poderes mais. Quando anoitece e julgas que sais do trabalho, mandam-te finalmente jantar e depois regressar ao quarto, assistir a um pouco de solidão no ecrã. Mas assim que finges os protocolos do sono e crias a elipse terminal, diriges-te para a penumbra redentora de um bar, numa hora tóxica em que o diálogo reina sobre a descrição pouco apaziguada de um sofá, e ficas sentado junto de um par de pernas em chamas, com a garganta desfeita de tanto calares, um copo de uísque na mão onde o reflexo do teu rosto perdura trémulo e oxidado.
É quando te escorrem as lágrimas.
           
André Domingues. em Enfermaria 6.

sábado, 8 de novembro de 2014

Luiza Neto Jorge



O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede
até à queda vinda
da lenta volúptia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma.


Luiza Neto Jorge 

domingo, 5 de outubro de 2014

João César Monteiro: O Último Mergulho (1992)


João César Monteiro, O Último Mergulho. (1992).

Francisco Sá de Miranda. Comigo me desavim



Comigo me desavim,
sou posto em todo perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,
antes que esta assi crescesse;
agora já fugiria
de mim, se de mim pudesse.

¿Que meo espero ou que fim
do vão trabalho que sigo,
pois que trago a mim comigo,

tamanho imigo de mim?


Francisco Sá de Miranda.

sábado, 27 de setembro de 2014

João Miguel Queirós.



Perto do fogão

Ponho a sopa a aquecer num tacho pequeno.
sentado perto do fogão,
pouso os braços na mesa vazia.
Encosto ligeiramente a cabeça na parede
enquanto ouço o som da sopa ao lume.
Passados uns minutos, uma pequena sombra
percorre tranquilamente a parede, mergulhando
na penumbra o relógio, uma factura da E.D.P., o calendário,
a fotografia de família...
A ligeira corrente de ar
que passa perto de mim
leva o meu ouvido na direcção do pequeno rádio portátil,
que toca baixinho, e
deixa-me o outro ouvido
sobre o fogão. Fico à escuta.
Dentro de mim vou remisturando uma música
que desenha no meu espírito imagens,
algumas delas são bem fáceis de visualizar
mas outras são tão simples que se perdem,
deixando-me abandonado no ar,
rodeado de uma luz ligeira e suave.


João Miguel Queirós, in Poetas sem qualidades, Lisboa, Averno, 2002.

João Miguel Queirós.


Lianor

Hoje no elevador descobri o seu nome.
No cartão pessoal, que retirou com cuidado
para não soltar os fios da camisola de lã,
estava escrito à màquina Lianor.

Leonor no espelho do elevador vê pelo canto do olho se está
                                                                         [arranjada.
Ela sabe que por detrás da orelha já não tem uma flor
                                                         [selvagem, e por isso
tem espaço para arrumar o seu cabelo com a mão, como se
                                                                  [o escondesse.
Repara nos seus dedos riscados pela esferográfica que deixou
                                                                          [arrumada
sobre a secretária. Está bonita na sua insegurança.
Leonor é agora tão verdadeira nessa impureza frágil como
a água canalizada, que escondida na parede do prédio
só é relembrada quando falta na torneira.
Leonor em vez de se colocar a meio do elevador vazio
                                                                   [prefere pôr-se,
aconchegada a um canto, tal como faz à noite antes de
                                                                       [adormecer,
de modo a não sentir o resto da cama fria.


João Miguel Queirós, in Poetas sem qualidades, Lisboa, Averno, 2002.

João Miguel Queirós.


 Sumo de Laranja

A tarde fria arrasta-nos para dentro da cama.
Aos poucos deixamo-nos ficar..., por ali.

Fixo a fraca coluna de sol mergulhar pelo vidro da janela
e sustentar-se friamente no soalho silencioso.
As tuas costas flutuam amparadas no colchão.

Lentamente deixas cair o braço para fora da cama.
Sorrio não só por te sentir adormecida
mas também por a tua pulsação ser como uma balada,
- o seu refrão será sempre um refresco -
e as suas melodias ainda que electrónicas
estarão sempre à nossa espera
nos head-phones abandonados
sobre a mesa de cabeceira.


João Miguel Queirós, in Poetas sem qualidades, Lisboa, Averno, 2002.

Filipe Teles


Na gare de Lyon ouço música pop
Não sei o que faço aqui com os
guichets preenchidos de perguntas
                                  Em que lugar?
              Qual o cais para Grenoble?
E espero, como tantas vezes.
Jornais, revistas, sanduíches
Humildes balcões húmidos repletos de publicidade desinteressante
Viagens circulares sem destino, de quem espera
sem correr, sem vontade.
A mulher de verde com óculos escuros
O homem de fato a tentar esconder o coçado do colarinho
O homem de fato a tentar disfarçar as sapatilhas
O de sapatilhas a tentar arrebatar o porta-moedas da mulher de verde
Os gritos da velha que não sabe do marido que está mais interessado na miúda loura
Coca-cola que aqui se diz côcá
Batatas fritas, frites, frites,
E o cheiro imundo a óleo
E espero com os
miúdos que correm para lá do alcance dos olhos.
Os papéis voam-me
São os aviões na gare de Lyon 
À minha frente, enquanto aguardo o autocarro,
lê triste um livro
- verso foleiro, mas o rosto era esse.
Não percebo o que lê.
Triste porque parece
não que tenha a certeza.
Está na idade de ler livros tristes.
Com as mãos a vibrar lentamente sobre páginas antigas
As palavras sussurrando-lhe ao ouvido
Cenas imaginadas, mais ricas do que o próprio texto
Mais húmidas do que a chuva
Ou o balcão imundo
Como se fazer-lhe mal fosse um primário desejo. 
Apetece sair e dar uma boa caminhada entre os autocarros
Respirar o ar puro, ou o fumo do escape,
Ver luz
Sem a voz repetida do anúncio dos cais de partida.
Apetece mergulhar numa queda de água
Bater a espuma nos ombros
E sorrir um verde imaturo.
Mas sou puxado de novo para a gare.
Para a espera em viagens circulares sem destino, com as folhas a fugirem-me,
sem lugar onde sentar,
apenas aquele com ela de frente
segurando o livro como cálice sagrado
sem fingimento
só lágrimas e vibração religiosa. 
Se falasse talvez eu desistisse de a admirar
talvez tudo fosse muito mais normal e a cheirar a óleo como tudo o resto.
Há dois tipos de poetas, os que trabalham com imagens
e os que produzem as imagens. Os últimos morrem por dentro
e nós morremos pelos olhos.
A única forma de estar verdadeiramente a salvo
é ser cego
Uma cegueira que corre em sentido anti-horário
anti-vida que nos entra pelos olhos.
Ou então fechá-los propositadamente sempre que doam.
Quando a imagem fere
e essa dor se mantém intimamente, como um silvo interminável.
Se um dia penso numa cor, verde ou laranja,
não preciso encontrá-la para sobre ela construir um poema.
Mas se a cor, o verde ou o laranja, vem ter comigo,
então posso cegar-me de dor. 
São quase três horas.
Olho-a uma última vez para deixar a ferida por cicatrizar
embutida nos olhos
por dentro
- pelo menos por uns minutos, enquanto me durar a vontade.
Não a deixo falar, não a quero ouvir,
nem mexer. Deixá-la ali quieta é melhor.
A vida é água fria
com menos sabor do que a imaginação
- pelo menos a minha
de onde consigo domar o destino
e despentear a realidade
até ela gritar de prazer.
Deixo-a girar ritmadamente as páginas
sonhando-a como quero
- sem que fale, nem me olhe.
Melhor assim,
sublimada, despenteada, irreal,
quente. 
Na gare de Lyon não há aviões.
Há livros e lágrimas escondidas.


Filipe Teles, partilhado a partir de Enfermaria 6.

Patrícia Baltazar


CARTA DE MAREAR

Não há corpo igual. Não há cheiro nenhum no mundo que colmate o meu vício por ti. Não há tragédia igual. Drama incorruptível.
O tamanho de tudo, encaixe perfeito, a dimensão do conjunto e a distância entre opostos.
O que aporto eu? Flores. Mecanismos para deliciar. Sorrisos repartidos ao pôr-da-lua. Fazer ver a leveza do mundo, afinal. São flores que eu aporto. A minha caneta, o meu lápis, a tua vida no meu caderno-para-sempre. Votos de mar a vida inteira.
Leva-me. Está a ficar escuro. Tenho tudo tão pertinho.
Há uma pornografia íntima nisto nosso. Dá água na boca.
Segura-me. Musa.
Porque a pele.
Porque o rosto e as minhas mãos descendo.
Porque nós.
Não fiques, mas não vás. Avião outra vez. Porque tu.
O meu anel está a arder.
Tudo tão muito e eu a tremer como sempre.
A minha esperança é azul. Propagação. Níveis do Inferno.
Flores de Jacarandá no chão.
Gostava de me decifrar. Perdi o relógio, perdi a caneta, não perdi o anel. Ele arde-me.
Era isso! A faísca. No caos, a faísca. Tu. Não esquecer.
Fazer ver a leveza da tempestade. Até doerem os dedos. Até chorar. Até rir. Até dormir descansada no teu peito azul.
Comer-te.
Orgasmo.
Não esquecer.


Patrícia Baltazar, Catapulta, Coimbra, Do Lado Esquerdo, 2014.
Partilhado a partir de Enfermaria 6

Vindeirinho



imaginando em velhos filmes alugados do vídeo
clube, sereias incendiando o fundo dos oceanos,
bem como  navios e outras  estranhas criaturas da imaginação
mal impressas no papel de impressão cerebral absorvido até à
exaustão com
as máquinas de imagens

a quem te diriges quando estás só e frágil,
a quem falas das pequenas coisas sem nexo como se fossem
grandes tubarões
em filmes de acção

Vindeirinho, Domésticos, Lisboa, Black Son, 2001.

Manuel de Freitas. Benilde ao balcão II


«Dê-me uma menina» - que outra
mais irrecusável maneira
de pedir uma cerveja diminuta?
Pois é, leitor, estamos outra vez
na mais bela praça de Lisboa,
com taberna a condizer.
Benilde, ao balcão, diz que está
com «cara de dores», talvez morra
- diz ela - este ano. O pior
é sempre o sofrimento, ninguém
o duvida, ninguém.

Mas entretanto a morte
entra nesta taberna
vestida de corpo aposentado
- e senta-se devagar, peida-se
devagar, olha-me fixamente,
tanto quanto a miopia lhe permite.
Bebe sôfrega a morte e peida-se
ainda. Não jogamos xadrez,
nem sequer dominó - isto não é
Bergman, é apenas a vida(?),
pouco dada a estéticas.

O amor, talvez o amor, é
lá fora brando, louro e feliz.
Talvez ele, para quem o possa ter
nesta tarde em declínio,
cheio de sol baixo e pombas.
«Estamos perdidos e ninguém nos pode
achar», diz ainda Benilde ao balcão,
mais sucinta, penetrante e pura
do que alguma vez foi ou será
um verso meu ou de outrem.

Razão de silêncio, dirá o leitor.
Eu bendigo a sombra, contemplo-a devagar
no rosto sem estrofes de Benilde ao Balcão.


Manuel de Freitas, Os Infernos Artificiais, Lisboa, Frenesi, 2001.

sábado, 20 de setembro de 2014

Miguel Martins




Miguel Martins, Lérias, Lisboa, Averno, 2011, p. 12.

Miguel Martins. Do Futuro






Miguel Martins, Lérias, Lisboa, Averno, 2011, p. 11.

Bruno Béu


enquanto sonhas, as coisas tremem
como se as desfocassem
lágrimas já preparadas para serem
do sonho o teu real rosto.

acordas, porque as coisas tremem muito
e são quase uma só com muitos lados: o corpo
treme agora bem real com elas. as lágrimas

afinal escorrem. nos jornais
amanhã vão escrever seis graus
na escala do richter
que as mediu não sei bem como.

Bruno Béu, partilhado a partir de There´s Only one Alice.

Beatriz Hierro Lopes


(…) Pedem-me uma biografia e digo-o dentro de mim: a minha biografia é o meu nome, tudo o resto são pausas, virgulações que informam a banalidade congénita de ter nascido. A simplificação absoluta de uma história mora na certeza de pai e mãe, avós e demais família. (…)


Beatriz Hierro Lopes, É quase noite, Lisboa, Averno, 2013, p. 20.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Eugénio de Andrade. Mar de Setembro



Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
Fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
doceis, leves, só
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam;
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.

Eugénio de Andrade, Coração do Dia – Mar de Setembro, Lisboa, Assírio & Alvim, 2013.

sábado, 13 de setembro de 2014


Luis Maffei. Orientação dos Gatos


a Beth e Bethina, gatas

para medir a felicidade de um gato
cortázar
temo
não diz nada. basta
se eu digo
uma aterrissagem,
plano em contrário sabor
ao colapso: é
um gato
o poema nunca
que ensina o caimento,
simétrica mostra ao
saber da planagem, ato
impoluto e inumano
de cair de



Luís Maffei, partilhado a partir de Revista Literária Sítio.

Luis Maffei. Contrariedades



Cruel, frenético e exigente é o
tempo,
poeta,
tu não.
Tu és morto e ele
a mim
arma de armas e bagagens e
instrumentos de fuga rumo
(a morte é depois,
é outra coisa)
ao que dura
pouco
dura
menos que o tempo
próprio fosse
justo fosse e ainda à mão
de um dedo à mão
da parte nova que
do tempo
escorre para o mais longe do
tempo tempo fosse.

E a vocação, poeta,
se a morte é depois, se
é outra coisa
é um tempo vivo e tão vivo
que
a mim
sorve de escombros
de coisa nova
beira uma finda
antes da
finda antes do
tempo antes do
abismo.


Luis Maffei, partilhado a partir de Revista Literária Sítio.

António Botto. Ciúme



I

Venham ver a maravilha
do seu corpo juvenil.

O sol encharca-o de luz,
e o mar de rojo tem rasgos
de luxúria provocante.

Avanço, procuro olhá-lo
mais de perto… A luz é tanta
que tudo em volta cintila
num clarão largo e difuso…

Anda nu - saltando e rindo,
e sobre a areia da praia
parece um astro fugindo.
Procuro olhá-lo; - e os seus olhos,
amedrontados, recusam
fixar os meus… - Entristeço…
Mas nesse olhar fugidio –
pude ver a eternidade
do beijo que eu não mereço.


IX

Não. Continua o teu caminho.
-Abraça e beija aqueles que tu quiseres
porque fico na certeza
de que fui eu quem deu alma
a todos os movimentos
 da tua sensualidade!

Carícias intermináveis,
comprou-as o meu dinheiro!
Inútil!... Guarda os teus braços,
Guarda-os, sim, para o primeiro!...

Deste-me tudo o que eu quis!

Fiz do teu corpo bandeira
na guerra do meu anseio!

Mas sinto que me apeteces
por entre náuseas profundas.

Cheio de lama e de sonho,
ando a ver se encontro a origem
das nossas vidas imundas.
                                                         

António Botto, in Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, (Seleção, prefácio e notas de Natália Correia), Lisboa, Antígona / Frenesi, 2008, (5ª edição), p. 417.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Merícia de Lemos. Tangentes


Exageros

Ai meu amor, eu bem sei
que nós nos queremos bem,
como os pombos querem bem
às suas asas.

Ai meu amor, tu bem sabes
que nos gostamos os dois
como gostamos do sol,
do mel, do pão…

Ai meu amor, tu bem sabes
Ai meu amor, eu bem sei
tal e qual como te agrado
nem mais nem menos me agradas.

Ai, meu amor, tu bem sabes,
ai meu amor, eu bem sei
que nos amamos os dois
bem fundo no coração

Meu amor, quem não anseia
ternuras exageradas?
Meu amor, eu creio as rosas
exageros das roseiras.


Merícia de Lemos, Tangentes, Lisboa, Ática, 1975.

Merícia de Lemos. Tangentes


Verde

O verde espalhou-se no ar
e vem verde das árvores, das folhas,
das folhas que me olham como olhos.
Os meus olhos são folhas a olhar…
É verde o Sol, é verde a terra, é verde a água.
O canto dos pássaros é verde.
E são verdes:
todas as rosas que ainda não abriram,
todas as palavras que se não disseram,
todos os raios do Sol que se não guardam
e o murmúrio das fontes
e a ária que não cantamos
e os pinheiros, as acácias, os cedros,
o alecrim, o rosmaninho, o loureiro,
os craveiros, os musgos e as heras.
Os cisnes são negros e são brancos,
Para que os lagos pareçam mais verdes.
Há aves, borboletas e avelhas, verdes, verdes.
Há olhos de crianças muito verdes
e são verdes as ervas do campo.
Foi verde o violino que hoje canta.
Há beijos e abraços tão frescos que são verdes.
As rãs e as lagartas são folhas
Que por serem loucas se perderam.
Há verde-claro, vivo, negro e seco
E há o verde rico das esmeraldas

Merícia de Lemos, Tangentes, Lisboa, Ática, 1975.

Delfim Lopes. No Cumprimento do Devir

VII
Como se não bastasse já
o sol ao ocaso
tal como a chapa gasta
ou ouro falso
Não chegasse o seu dinheiro sujo
e vem-me ainda
essa metáfora velha como
uma puta para
fechar o dia com a sua
chave de prata
a lua
Delfim Lopes, No Cumprimento do Devir, Lisboa, Edição de Autor, 2013.
Partilhado a partir de As Folhas Ardem.



sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Violante de Cysneiros. A mim propria de ha dois annos


As minhas mãos são esguias,
São fusos brancos d'arminho,
Onde fiaste e não fias
O Sonho do teu carinho.

As minhas mãos são esguias,
Côr de rosa são as unhas,
E nellas todos os dias
Ponho a pomada que punhas.

Quando Eu as fico polindo
Perpassa nellas em ancia
A tua boca sorrindo…

Mas os meus dedos em i
Dizem a longa distancia
Que vae de Mim para Ti.



Violante de Cysneiros, in Orpheu 2, Lisboa, 1915.

Eduardo Guimaraens. Folhas Mortas


Dêste relogio belga, enorme, branco e triste,
tombam as horas como folhas mortas.
Por uma tarde outomnal, triste de spleen e folhas mortas:
Em cada vaso negro ha um lirio nobre e triste.

Em cada vaso negro ha um lirio nobre e triste e as horas tombam como folhas mortas.
Porque não nasci eu um lirio nobre e triste, pétala sem perfume entre essas folhas
mortas?

Um Versalhes fulgura em cada illusão triste, um Versalhes de outomno atapetado de
folhas mortas! Em cada vaso negro ha um lirio nobre e triste e as horas tombam como
folhas mortas…


Eduardo Guimaraens, in Revista Orpheu nº 2, Lisboa, 1915.

Manuel António Pina


O Bilhete de Identidade de um escritor é, na realidade (não me lembro onde é que li isto), o seu bilhete de alteridade.
Manuel António Pina


 

 In «À poesia pouco mais é dado dizer do que o silêncio do mundo», entrevista por Osvaldo Manuel Silvestre e Américo António Lindeza Diogo, Ciberkiosk, nº 9, Março de 2000. (Citado a partir de Inês Fonseca Santos, A Poesia de Manuel António PinaO encontro do escritor com o seu silêncio, Lisboa, Departamento de Culturas Românicas da Faculdade de Letras de Lisboa, 2004, p. 110. Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa).

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Rui Pires Cabral. Biblioteca dos Rapazes



Rui Pires Cabral, Biblioteca dos Rapazes, Lisboa, Pianola, 2012. (p.15).

Nuno Higino


As minhas mãos sabem a terra
das minhas mãos nascem gardénias
e neva nas minhas mãos
quando é inverno


Nuno Higino, Onde correm as águas, Porto, Campo das Letras, 2003.
Partilhado a partir de Poesia distribuída na rua 

Mário Cesariny.


in Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, (selecção, prefácio e notas de Natália Correia), Lisboa, Antígona / Frenesi, 2008, (5ª edição), p. 417.

Charles Baudelaire.

 (E para quê?...)

E para quê realizar projectos, se o projecto é já um prazer suficiente?


O spleen de Paris, XXIV.

Ana Marques Gastão. Alvo


Por uma vez conta como o corpo se ajusta à superfície
das tuas palavras. Fala de um depois anterior, desse sono
demente na fissura da luz; do violento voo ou ferida
cíclica, a ausência excedendo-se na pele quando a desoras
perfumas minhas mãos. Estende-se o calor aos lábios,
o verão simula a duração no verso, circula a água, vigorosa,
no fundo do poço até desaparecer na cama muda.
Nada é o que parece, lembra-se o que se esquece e eu digo
os dedos descalços dissolvem em tua boca o mel à flor dos
destroços. Olha-me: deita o olhar em meu vestido, tira-o
num gesto ébrio e precipitado como a um prisioneiro,
os peixes sobem lestos no lago imoderado e a noite volta,
lenta, adormecida. Dou-te o que não tenho - a história
de um rio exultante a explodir na boca em versão romântica,
poema sem trágicos sulcos ou fala completa. E tu, tu dás-me
o que sou: metáfora doendo-se alto onde acaba o texto.

Ana Marques Gastão, Nós: 25 Poemas sobre 25 Obras de Paula Rego, Lisboa, Gótica, 2004.


Paula Rego, Target.

António Aragão.


No fundo somos todos iguais. A prova básica dessa igualdade, que tanto se discute, reside principalmente no cheiro comum. Se, em vez de discutirem, as pessoas se cheirassem julgo que muitos equívocos acabariam.


          António Aragão,  Desastre nu: peça em quatro episódios, Lisboa, Moraes, 1981.


Partilhado a partir de: Biblioteca Municipal do Funchal

António Manuel Couto Viana. As Rapinas Rapaces


Do cerne da calúnia,
As rapinas rapaces
Buscam a morte, o oiro,
Em lascivas caçadas.
Escorre-lhes das presas
o sangue, a amarga lágrima:
teu fuzil, caçador
não as encontra n’alma:
ocultam-se na terra,
no coração da carne!

Vibram rasteiro voo
As rapinas rapaces
nas caves inundadas
de fumo, álcool, escarro.
Na órbita das órbitas,
Roçam balofas asas;
Com duro bico imundo,
Picam luar e graça;
E devoram, com gula,
Meretriz e pederasta.

Na época do cio,
As rapinas rapaces
Aninham-se nos versos,
Espojam-se nas camas,
Toldam, em cada espelho
As virgens e os rapazes,
Alarmam o silêncio
Das furtivas passadas
E exibem um lençol
De poluídas pragas!

Plo tempo que não cessa,
As rapinas rapaces
Pairam sob a cabeça
De crua divindade.
Nada as destrói. Existem
Como hóstia nos altares
E adornam-se de pomba
E cravam-se de farpas
E gemem e suplicam
E morrem e renascem.

Aviso de extermínio,
As rapinas rapaces
Apontam-se com pedras,
Lumes, lixos, espadas
ou beijos repetidos
ou águas perturbadas
ou a mulher azul
ou o brinco de prata
ou o aço do braço
e o cristal da garganta!

Quanto é impuro e atroz
As rapinas rapaces
Arrastam para o ninho
Onde me encontro e canto.
Meu lirismo se afoga
Em palavras..., palavras...
Atinjo a extrema forma!
Destruo-me de imagens!
E mordo, com seis dedos,
O ventre da verdade!


António Manuel Couto Viana, Relatório Secreto, Lisboa, Verbo, 1963.