O
ar está carregado de ferro e eletricidade, está húmido, da janela vejo que
falam dois amantes, vão carregados de luz nas duas partes, cada um leva dela a
parte que os voltará a unir, vêm um homem que urina na parte exterior do
elevador do metro, no cimento fica a mancha um pouco abaixo do grafiti que
apareceu há poucas semanas, numa mancha de fundo cor-de-rosa onde está escrito
a negro que tudo passa e tudo é prova
– O planeta gira mais um pouco até que a luz chega aqui vinda do fundo, cortada
por dois prédios e chega depois toda, num riso cheio, numa onda e depois noutra
e noutra maior, a luz vem com os homens que vão descer rápido para o metro.
Ainda está carregado, passam as camionetas na avenida vindas dos bairros de
oriente, carregadas das pessoas que são trabalhadores no ocidente, na outra
parte da cidade, o movimento que não se detém. Agora em sentido contrário os
carros que passam no verde, o trólei ligado aos ferros e as pessoas que vão
neles nas duas direções, o movimento impessoal dentro dos carros agora que
chove e que a luz digna conduz para sul, para norte, no cruzamento que vejo da
janela como um ponto – a luz que se dirige em todos os sentidos e trabalha,
digna, trabalha, o semáforo verde e o vermelho ordena o trânsito e quando não
funciona (já assistimos a três acidentes na mesma noite) a luz que regula o
trânsito (vermelha verde vermelha) a luz que direciona, prevê, cuida, a luz que
é homem e colocou a luz que trabalha, a luz que o homem criou. E agora na minha
cama sinto o coração central do movimento, a luz que colocou outra luz para
dirigir a luz - para criar a luz: Não outra, mas a mesma, a extensão do homem,
o animal de riso cheio e que se estende – ouvimos a sirene, o cuidado (a
polícia, as ambulâncias) quando ele se suspende, se abeira, se ri, vemos os
reflexos rápidos, talvez num pequeno apartamento acima do nosso alguém esteja a
escrever sobre a Supra Realidade, ou a rechear o forno, a hippie e o cão a
dormir. O nosso núcleo a ser formada dentro de ti, a continuação impessoal da
luz. Agradeço o dia. As manchas de sol no homem e a dignidade da luz,
caminhamos com decisão em todos estes movimentos que nos cruzam, o prédio vê-se
de fora sem chamar qualquer atenção. Tocamos, acendemos pontas - Temos na boca o
animal invencível que tudo acende, o que nomeámos em todos os cruzamentos, que
chamamos sobre todas as formas, o que regula, o que cria - o que acelera - dois
manifestos, uma carta de pedido de emprego, a jamaicana que sai a chorar do
serviço de emigração, os dois chineses exaltados. Difícil imaginar que o
movimento seja a nossa casa, na cama entre a estrela-almofada entrelaçamos as
pontas num mesmo movimento. O verde, o vermelho, o verde outra vez, há também o
amarelo a mancha azul e vermelha silenciosa que às vezes a meio da noite nada
no nosso quarto quando as patrulhas dos polícias param em frente da loja de
conveniência. A estrela abraçada, as várias pontas que se cruzam, as células
riem-se, as pontas cruzam-se e nadam na cama, ainda no cruzamento do sono com a
vigília, as nossas células riem-se e dentro delas a luz trabalha e cresce. O
verde, o vermelho, o verde outra vez. Em ondas o azul e vermelho do carro
patrulha. Subtraído o vermelho, no fim fica só uma mancha azul.
Eu
ouvi pela primeira vez Mahler no carro de um poeta que partiu. Ainda que a
música procurasse reproduzir o movimento do mar, a luz vinha em ondas cada vez
maiores.
A
nadar em estrela na cama
A
Dignidade de que falava Pico.
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