Perturbam-me as sombras da casa
os uivos das janelas
os olhares das fotografias nas molduras.
O chão do corredor que range quando o atravesso
as vozes dos vizinhos de baixo, as portas que batem.
Perturba-me o empregado do restaurante em frente
que me vigia quando fumo à janela.
Perturbam-me os arrulhos dos pombos
as obras intermináveis do prédio em frente
o gato morto e já ressequido no quintal da vizinha
o estar longe, o estar só.
Perturba-me o cheiro do cinzeiro
o chiar da porta da cozinha
o bolor dos pimentos há meses no frigorífico.
Perturba-me esta constipação
as chávenas com rachas
o não ter limões, o sangue nas mãos.
Partiu-se o frasco do mel.
Inês Ramos, in e chorava como quem se diluía em mel d’abelhas, Lisboa, Tea For One, 2013. (Coleção Matéria Mínima)
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