Decidi escrever três dias antes da morte
como se a morte tivesse vindo há três dias.
Tenho fome, mas ignoro-o
Uma morta não come.
No entanto
tenho uma ligeira dor
de cabeça.
Enterraram-me ao lado do bosque negro de ébanos erectos
que uivam desalmadamente.
Na casa, silenciosa
a empregada lava o chão da entrada.
E no meu quarto, a minha mãe dorme
agarrada ao meu bilhete.
No chão, aos pés da cama, os meus sapatos
a minha saia verde nas costas da cadeira
e o frasco dos comprimidos vazio,
sobre a mesa de cabeceira.
Minha mãe está velha. Terrivelmente velha.
Mais velha do que a filha morta.
Afago-lhe os cabelos brancos
sento-me à secretária
e escrevo um bilhete.
Mãe morri há três dias.
Desculpa só te escrever hoje.
Inês Ramos, in Meditações
sobre o Fim: os últimos poemas, Lisboa, Hariemuj, 2012.
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