quarta-feira, 26 de março de 2014

Inês Fonseca Santos: Sobre o asfalto I

Os poemas apanham-se como doenças
mas curam
assim que chegam à base
da existência (O’Neill

tomando banho após quebrar
o gelo). Lá, onde palavra
nenhuma existe, apenas
a tentativa do som.

É sobre o asfalto que tudo existe – e contra
o esquecimento. Mesmo o primeiro poema
sobre a pedra escrito e apagado; o primeiro,
esquecido por todos, causa última

de tanta literatura e interpretação. Lá, onde
a memória já se confunde com a imaginação.
Lá, onde se pode morrer de morte irreal,
lá, onde se pode acreditar:

o pai de Kate fazia nevar
 dentro de um livro.


Inês Fonseca Santos, in Meditações sobre o fim: os últimos poemas, Lisboa, Hariemuj, 2012.

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