O
Homem Desempregado gostava muito de ler e tinha um cuidado extremo com o
tipo
de luz que seleccionava para a leitura, preocupava-se tanto com este assunto
que
muitas vezes se esquecia do que estava a ler e murmurava satisfeito:
– Como
é boa esta luz para acompanhar uma leitura.
Passava
manhãs inteiras ou semanas à volta da mesma página que tanto podia ser
de
filosofia política como de uma lista da toponímia da sua cidade e nem dava
conta
da
perda de validade de certos livros requisitados nas bibliotecas, o que deixava
os
funcionários
muito aborrecidos.
Raramente
lia à noite, só em último caso, em especial livros de instruções para
alguma
tarefa imprescindível ou algum telegrama que lhe chegava depois do
crepúsculo.
Na
casa onde morava tinha uma luz franca que iluminava os textos e as suas ideias
mais
complexas, mas a partir de uma certa hora o sol deixava de bater na sala
virada
para Sudoeste e tinha de sair de casa à procura do poente como de
alimentos
para a dispensa. Dobrava a esquina e entrava num largo que se abria
num
miradouro sobre o rio, com alguns bancos de jardim que lhe agradavam
sobremaneira.
Assim, nos dias amenos, o Homem Desempregado descia as escadas
do
prédio e saía para a rua com um livro forrado a papel de jornal debaixo do
braço.
Passava por baixo de duas árvores e procurava um lugar com espaço para si
e para
o seu livro, entre os grupos de pessoas já instaladas.
Sentava-se
cheio de boa disposição, pedia licença e agradecia a amabilidade a
todos
aqueles que faziam companhia ao entardecer. Aconchegava o olhar até ao
outro
lado do rio, para ficar com uma boa visão periférica e fazia inspirações
semibreves
de contentamento. Porém, após ultrapassar as três ou quatro páginas
do seu
livro da tarde, começava a ficar incomodado com o excesso de ruído que
não
lhe permitia ler sem estar sempre a perder-se com os estímulos, especialmente
com os
daqueles que tinham chegado pouco tempo depois dele e já eram
considerados
intrusos. Nessas alturas o Homem Desempregado lembrava-se de que
a
intolerância aumentava com a permanência e o apego aos lugares. Após longas e
espaçadas
inspirações conseguia voltar à leitura da luz, sem contudo deixar de sentir uma
certa benevolência por aqueles que conversavam no largo do miradouro
sobre
a sua leitura.
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