CARTA À MINHA MÃE
Sabes, mãe,
eles deram cabo do Homem
sabes, mãe,
houve um tempo em que fui à escola
houve um tempo em que até trabalhei
mas agora cansei-me, mãe,
não posso mais ficar passivo
não posso mais assistir sentado
eles estão a dar cabo de mim
Sabes, mãe,
estas coisas vêm da infância
eu observava as coisas
era talvez o mais inteligente, mãe
mas não intervinha
contentava-me com o meu mundo
com os meus personagens
mas agora o teatro é outro
envolvi-me com o mundo
casei-me com o mundo
e eles estão a dar cabo
do nosso mundo, mãe
destroem a natureza
viram a natureza contra nós
Até podes votar neles, mãe
mas sabes, mãe, eu não sou como eles
eu preocupo-me com os meus filhos
e paro como as outras mães
Sabes, mãe, essa merda dos negócios
e do dinheiro
não me diz nada
gasto-o em dois tempos
quando o tenho
são papéis e pedaços de metal
que se trocam
nada mais
mãe, estou farto dos discursos deles
na televisão
é a mim que eles querem destruir
querem-me mole, fraco, deprimido
mas desta vez não vão conseguir.
Mãe,
eu sou o Homem.
António Pedro Ribeiro
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